A ascensão do Corote

A vida sem doce de goiaba seria um erro. Por sorte, encontrei um pote no armário na da Quarta-Feira de Cinzas, e tomei então o café da manhã dos campeões. Foi nesse dia, também, que constatei que no Brasil o ano não começa exatamente pós-carnaval coisíssima nenhuma. Ele começa de fato depois da Quarta-Feira de Cinzas, na Quinta-Feira em que as Repartições Públicas Finalmente Fazem o Obséquio de Atender ao Telefone.

(Se bem que, na atual conjuntura, ter a máquina estatal minimamente funcionando não seja lá uma grande vantagem. Talvez tivesse sido uma boa ideia esticar o feriado até, sei lá, 2022.)

Não fui a nenhum bloquinho de carnaval este ano. Nem no ano passado, aliás. Nem no outro. A última vez em que fui, digamos, minimamente carnavalesco foi há uns cinco anos. Um jovem e ranheta senhor como eu não combina com muvucas e lugares animados em que o ambulante decide inflacionar a Brahma a depender da cara do freguês – nesse caso, sempre me dou mal.

Passei a maior parte do tempo recolhido em minha própria cripta na zona norte da cidade. Minha ideia de diversão consistiu em rever os cinco filmes da saga original de O Planeta dos Macacos (eu sei, eu sei) e a ler em PDF no notebook uma biografia de quase 500 páginas. Com isso, consegui duas dores de cabeça e a perspectiva enfadonha de uma consulta ao oculista.

Mas no sábado, 2, o carnaval estava a todo vapor e os jornais noticiavam a ascensão do Corote. “Bebida de R$ 3, Corote repagina a marca e vira atração entre universitários”, dizia a Folha. Achei curioso. Até pouco tempo atrás, e até onde iam meus parcos conhecimentos, o Corote era uma cachaça vagabunda que ajudava os mendigos da cidade a atravessar tenebrosos invernos. (O Antônio, que vive nos arredores da Catedral – um covil da marginália local –, e que conheci quando morei naquelas redondezas, uma vez insistiu para que eu tomasse um trago daquela bebida aparentemente destilada dentro de um bueiro pelo próprio Coisa Ruim, e acabei cedendo.)

Acontece que o produto há alguns anos, bem ao gosto dos universitários, conta-me a Folha, evoluiu para um “coquetel saborizado”, o que deve ser a maneira que algum redator publicitário encontrou para dar a entender que você no dia seguinte terá uma ressaca semelhante a um traumatismo craniano.

Intuí a irremediável ascensão do Corote há uns dois meses quando, do lado de fora de um botequim, fui interpelado por uma moça com jeitão de estudante de Ciências Sociais angariando fundos para “inteirar o goró”.

– Pô, moço, só dois reais.

– E o que você planeja comprar com dois reais? Meio litro de óleo diesel? – brinquei.

– Ué, um Corote.

– Um o quê?

Não entendi muita coisa, mas dei os dois reais. Teoricamente, sou favorável a propiciar à juventude diversão e experiências de quase-morte (elas forjam caráter).

A universitária de Ciências Sociais reapareceu pouco depois com uma garrafinha atarracada contendo um líquido azul, exatamente o tipo de coisa que você compra num posto de combustível, perguntando se eu queria me juntar àquela experiência. Por que não? Só se vive uma vez (e na maior parte do tempo muito mal). Dei uma talagada naquilo e decidi imediatamente ir pra casa (quando você começa a aceitar bebidas de cores extravagantes de gente completamente desconhecida no meio da noite é porque as coisas estão obviamente saindo de controle).

Quem está absolutamente revoltado com a ascensão o Corote é o amigo Flávio Jacobsen, que tem muitos carnavais nas costas, embora não seja recomendável contar essas histórias em um texto que será jogado na Internet e poderá ficar à vista de senhoras. “Sobrevivemos ao Capeta e à Xiboquinha pra chegar nisso aí”, exaltou-se. “Na Era Collor/Itamar foi o tubão; na Era FHC, o Capeta; na Era Lula/Dilma, a Xiboquinha; na Era Temer/Bolsonaro, o Corote. Pô, não anda pra frente essa coisa, o jovem não evolui.”

Não sei se concordo com essa cronologia. Quando cheguei em Curitiba, há 14 anos, o tubão ainda era uma bebida muito apreciada no Largo da Ordem, e já estávamos há algum tempo na Era Lula.

Quando cheguei em Curitiba, há 14 anos – rapaz, como passa.

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