funkeiros cults

pedal em bairro burguês é embaçado. mais de boa ir na calçada, suave, porque maluco compra carro de corrida e pensa que é Ayrton Senna. ciclovia parece que só liga parque, bonde tira fina na canaleta. esses dias tava indo pro trampo e ficou vermelho: tinha um cara de peita tie dye e berma esperando, eu de uniforme e calça jeans. ele tava segurando três facões e brisei no que que a gente tinha de diferente um pro outro. aí os carros pararam, comecei a pedalar e ele correu na minha fron. bateu as lâminas. começou a jogar os facões pra cima. uns dias depois, tô voltando do trampo e a gente se tromba outra vez. ele tava saindo de uma baia meio abandonada e dizia Cerrá cerrá pra uma criancinha. a criancinha empurrava um tapume que servia também como portão. dei buenas noches.

não sei quantas pessoas moram ali, nem de onde vieram. sei que faz sentido ficar na encolha porque em bairro burguês a propriedade é sagrada. imagine viver na noia de que, a qualquer momento, chega polícia abençoando geral? bate três vezes na madeira isola. deve ser osso. eu quando esqueço a carteira já fico espiado. não pareço daqui. toda primeira semana em trampo novo rola a mesma cena. De Curitiba mesmo? Nossa, não parece. às vezes tô atrasadão mas paro pra ver. galera manda muito. tem papo de vinte segundos pra desenrolar no malabares, vinte pra passar o chapéu e no máximo dois pra desviar da moto a milhão. vejo os dedos com anéis e pulsos com relógios baixando dentro dos carros, os vidros levantando. palha. tipo esses dias: três da tarde, mais gente por perto, um cara me vê vindo pela calçada, meio que dá uma bugada, enfia o celular no bolso, arranca os dois pontinhos brancos do ouvido e atravessa. eu tava portando boné e segurava uma parada na mão. duvido muito que tenha visto o livro.

tem um conto que chama Espiral. se liga na viagem. um jovem chega no ponto e tem uma senhorinha esperando o bonde sozinha. ela começa a proteger a bolsa, olhar pros lados, e ele se sente ofendido. aí resolve chegar perto dela. mais perto. olha pra dentro da bolsa na caruda e segue na bota depois que ela vaza do ponto. depois ela se esconde em algum comércio, ele segue a vida mas fica na bad quando pensa que a senhora podia ser a vó dele, que ele podia ser outra pessoa. foda. sei que a gira gira e depois ele esbarra com um cara numa esquina e a reação do cara, qual foi? ergueu os braços. o maluco que tá contando a história fica tão bolado que descobre o nome do cara (Mário), onde trabalha, onde mora, onde as filhas estudam. fica no rastro. uma noite o Mário tá voltando do trabalho, se dá conta que tá sendo seguido, corre até o prédio e sobe pro apartamento. termina assim:

“Alguns minutos depois apareceu Mário, completamente transtornado, segurava uma pistola automática. Sorri pra ele, percebendo naquele momento que, se quisesse continuar jogando esse jogo, precisaria de uma arma de fogo.”

O sol na cabeça, Geovani Martins, Companhia das Letras.

tenho pavor de arma, se pa que o cara que conta a história também. baita livro. vamo que vamo. dropando naipe Rayssa Leal, esquivando tipo Hebert Conceição, voando pique Rebeca Andrade.

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