Cambiar la vida y los tiempos

Sou um horror para identificar alguma coisa através do cheiro. Nada identifico. Os ácaros e fungos me identificam antes que eu a eles: se entro num sebo, um dos ambientes que eles habitam, logo me atacam e começo a espirar.

Mas estes espirros não me afastam das – cada vez mais raras livrarias – bibliotecas e sebos. Gosto mais do visual e da imaginação do que posso encontrar, que do cheiro de livros e revistas antigas.

Nos sebos é possível encontrar livros intactos, intocáveis, outros marcados, riscados e anotados. “George Steiner afirmava que a presença de um lápis na mão – para riscar, sublinhar e fazer anotações nas margens do texto – revela um leitor que reage e responde à obra que está lendo” (https://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,marcas-deixadas-nos-livros-revelam-historias-de-leitores-e-ampliam-a-experiencia-literaria,70003434286). Sou um destes.

Ainda nos sebos, começo a ler e a conferir, pelos riscos e anotações, o que o antigo/a leitor/a entendia como importante. Na maioria das vezes, minha opinião não coincide com a dele/a, talvez porque o que ele/a queria extrair do texto não seja a mesma coisa que desejo extrair.

Bruno Kaesemodel é um frequentador de sebos e enviou uma “carta” – faz tempo – comentando a crônica “Vida sorrindo”, e fazendo algumas observações:

…eu tb sou um frequentador assíduo [de sebo] já tive a oportunidade de encontrar livros muitos surrados, ou uns quase jamais intocáveis. Sempre entro de mãos abanando e saio com uma sacola cheia…

Mas, o que me vem à cabeça eh: em Plena era digital, um sebo, num local onde se concentra ou guarda tanta informação com (ocupando grandes espaços), teria o mesmo destino das locadoras de vídeo?

Somente o futuro dirá.

Gosto também muito dos sebos porque me lembra a casa da minha avó, onde tinha uma biblioteca imensa com muitos autores.

Como um aficionado por perfumes, minha memória olfativa me remete ao passado.

Nisso, vem o interesse pelos livros e também o gosto pelo perfume deles.

Um pelo cheiro novo de gráfica, outro pelo manuseio que formou pelo tempo deixado pelas mãos que formaram os desgastes do tempo.

O prazer nostálgico em um pequeno período em um sebo…

Apesar da tecnologia, duvido que os novos IPads substituam os velhos livros.

Quizás, quizás, quizás o futuro reservado aos sebos seja melhor do que os das locadoras de vídeos.

Cada sebo tem sua característica e seu comércio. Uns são quase museus de livros, outros vendem miscelânea de produtos: cartões, fotografias, cartas, CDs, LPs, máquinas fotográficas etc. Tudo chega aos sebos da mesma maneira que chegam os livros e LPs: por razões diversas que tento imaginar ao longo destas crônicas.

Mas nem todas as pessoas vendem o que tem. A Maria Nyza, ao comentar a crônica “Quizás, Quizás, Quizás”, escreve:

Eu tenho cartas e postais guardados.

Um conjunto de cartas que fiz questão de guardar são de dois amigos da época em que eu estava no colegial e faculdade pelo teor filosófico e político dos assuntos.

…na época éramos da Juventude Comunista do Partidão (PCB).

“Quizás, Quizás, Quizás” também é comentada pela Rosiany Maria da Silva e pelo Chico Hardy.

Rosiany escreve:

Que lindeza! Eu também tenho cartas e postais guardados de amigos, irmãos e primeiro namorado… e ainda leio de novo, quando reviro os “guardados” com tempo…

Será que os namorados posteriores não sentiram ciúmes?

A “carta” do Francisco Hardy me levou à estante de livros onde encontro o KAZUKUTA, Crônicas do Terceiro Mundo, de Francisco Hardy, o Chico pai e, para a minha alegria – não lembrava –, tem uma dedicatória:

Ao Rosa, amigo

e quase irmão,

mais isto que aquilo, o abraço

           do Hardy

17/

11/

80

Lembro sempre do quão instigante era o Velho Hardy.

O filho escreve:

Muito bom, companheiro e amigo… Vai passar…

O Millôr, num certo período, terminava seus trabalhos e crônicas com um quase enigmático

Y así pasan los días…

Nunca havia (eu) ligado a frase à canção popular de autoria do compositor cubano Osvaldo Farrés, com a qual primeiro tive contato com talvez uns 8 ou 9 anos, porque minha mãe tinha um LP, Cole en español, onde Nat King Cole cantava (obviamente) só músicas em espanhol, ainda nos tempos (ainda talvez, no limite) da ditadura de Fulgencio Batista, que – ao fim e ao cabo – afugentou-se num exílio dourado em Málaga, Espanha, então ainda sob a ditadura de Francisco Franco.

O Chico Hardy, filho, resolveu o problema do título e me estimulou a elaboração da conclusão desta crônica:

No soporto los fascistas…
no soporto la tristeza en los ojos de las personas.
No soporto las faces hambrientas
– de cariño, afecto, alimentos, esperanzas… –
que veo en las calles.
No soporto las miradas de odio. No soporto
el robo del futuro.
No soporto las ratas, los rateros y ratones.
Quizás, quizás tengamos días mejores.
Necesario cambiar – simultáneamente – la vida y los tiempos.

Sobre o/a autor/a

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