Hoje dia da publicação desta crônica faz uma semana que fui até uma Unidade de Saúde (US) de Curitiba para receber a vacina contra a H1N1.
Não imaginava que teria fila. Tinha e era longa.
Não fiquei: fui procurar outra US.
Mesma coisa: fila. Um pouco menor, mas fila.
Entrei: na fila. Ela era composta por pessoas idosas, e na sua grande maioria acompanhadas por outras pessoas idosas, ou seja, fila de casais de idosos.
Há um conceito legal – no Brasil – de pessoas idosas. Mas este não está na cabeça de muitas pessoas, inclusive não estava na da minha mãe.
Na fila lembrei-me dela e do seu relato quando encontrava uma pessoa idosa na rua.
Cada vez que encontrava, e era todos os dias – nunca soube e não vou saber qual era o conceito que ela tinha para idoso/a – dizia “encontrei um velhinho ou uma velhinha”, e contava uma história que ela ouviu ou um fato ocorrido. Só que este velhinho ou velhinha às vezes era mais novo do que ela.
Todos os dias – enquanto pode sair – tinha um velhinho ou velhinha na vida dela para contar histórias.
Na fila da US tinha muitos velhinhos e muitas velhinhas e a grande maioria descuidado ou descuidada. Ficavam próximos na fila, manuseavam a máscara a todo instante e alguns – não vi as “velhinhas” fazerem – velhinhos tiravam a máscara ou deixavam o nariz de fora ou até – pelo menos vi um – cobria o nariz e deixava a boca de fora para espalhar perdigotos.
Na fila sem ter o que fazer, achei o que fazer: olhar o comportamento das pessoas, ouvir as conversas e observar a praça e a redondeza.
A mulher próxima a mim insistia em falar comigo, mas como todo velhinho – eu sou um – e toda velhinha é um pouco surdo não há outro jeito de conversar senão falar alto ou ficar próximos. A opção desta mulher era ficar próxima.
Ela se aproximava e eu me afastava. Ocorre que para manter a distância – 1,5 metro, que ninguém mantinha – entre as pessoas em alguns momentos tive que fugir da fila.
Saia da fila como quem se interessou por alguma coisa, dava uma olhada e voltava com o máximo possível do distanciamento permitido naquela situação.
Nestes momentos – fila parada que não anda – a gente vê quem tem coração duro e quem tem coração mole. Para fazer este julgamento há que se ter cuidado.
Uma senhora procurou ajudar outra com dificuldades em andar e tentou coloca-la mais na frente na fila. Um fura-fila consentido – contrário do que o Greca faz permitindo que os amigos do rei fure a fila da coronavac – que foi negado por outra senhora.
Um coração “mole” bondoso e outro “ruim” maldoso?
Cuidado: muitos velhinhos, mais que as velhinhas, enganam.
Às vezes, a gente vê um idoso com dificuldade de locomoção ou mesmo em cadeiras de rodas e cara de sofrimento. A primeira sensação que toma conta da gente é de pena e piedade. A segunda é um pedido: quero envelhecer, mais não ficar assim.
Só observando é impossível saber e separar uma pessoa humana e solidária de um canalha, bandido, matador e torturador. Todos envelhecerão e poderão despertar piedade. Todos poderão ficar com jeito de velhinho bondoso e necessitado de ajuda.
Bem, esta é uma reflexão. Volto para fila da Unidade de Saúde.
A fila caminha lenta, o sol esquenta, a praça é ocupada por pouca gente e há um vento que ajuda a levar para longe os aerossóis e perdigotos que saem das nossas bocas, principalmente daqueles que usam a máscara para proteger o queixo.
Nos poucos momentos que a senhora encontrava outra pessoa para conversar, eu me colocava a pensar: O que escrever para o Plural?
A pandemia me afastou dos sebos e consequentemente das dedicatórias. Meus estoques – pessoal – de dedicatórias estão acabando e me limitam os temas.
Passa um carro tocando uma música – de péssima qualidade – alta. Sequer parece música, é uma batida rítmica – destas de bate estacas da construção civil – irritante que te rouba toda a atenção: não te deixa ler e/ou escrever e muito menos dormir.
Tento pelo menos entender que cultura originou isto que acabei de ouvir. Não, não vou entender: foi só um lampejo mental. Concluo: não é música e tampouco poesia.
Música e poesia está em Brasilian Serenata, Dory Caymi, e no LP de casa tem uma dedicatória:
José
Este é prá
estudar os arranjos, harmonias
e linhas melódicas.
Feliz aniversário
17/7/92
Antônio César.
A música que reverencia o LP é “História Antiga” (Paulo César Pinheiro):
Na varanda da sacada /Clareando a noite nua – O olhar da minha amada / Refletia a luz da lua / E na noite enluarada / não se ouvia quase nada / Só meu violão na rua.
A pandemia tirou o violão da rua, os arranjos, harmonias e linhas melódicas e parece que só colocou bate estacas e negacionistas.
Mas antes da pandemia, a desinformação, o fascismo e a burrice colocou o pandemônio no governo central do país.
Ah! Tomei a vacina e mentalmente surgiu esta crônica.
As serenatas um dia voltarão?