Lia – Capítulo 50

Como é fazer cinquenta anos?

Não tão bom quanto fazer vinte e cinco. Não tão bom quanto cem. Não é uma vitória de nenhum desses tipos. Nem superação da introdução, início do espetáculo, nem superação de todo tipo de probabilidade, resistência, milagre.

É monótono e triste. É feliz também. É só um aniversário.

Lia nunca vai chegar aos cem anos. Ok, quase ninguém chega. Lia, no entanto, não vai chegar aos setenta. Esses cinquenta anos, soubesse ela, são mais de dois terços do seu caminho. Mas ela não sabe. E é essa a vantagem. Quando não se sabe, e nunca se sabe, qualquer dessas datas pode ser de dois terços. Ou três. Ou metade. Tudo, ou nada.

Lia não chega aos setenta.

Teve aniversários mais felizes. Teve também outros mais tristes. A morte da mãe logo antes do dia. Ainda doía no dia. A morte da mãe. Tão nova.

Lia ainda vai ter aniversários mais felizes. Nem tantos mais tristes. Vai passar um deles, daqui a não tantos anos, numa clínica psiquiátrica. Sozinha. Sentindo um abismo pior do que aquele que durante poucos minutos sem fim sentiu no dia da morte da mãe. Vai passar o seguinte somente com a filha e a neta, e não vai querer mais nada.

O de hoje ela ainda nem sabe como vai ser. Segunda-feira. Dia de trabalho. Dia de matar gente. Brenda Spencer. Dia de trabalho como todos. No escritório ninguém sabe. (Ela acha que ninguém sabe.)

Acabou de abrir os olhos. Sozinha na cama. Cinquenta.

Melhor que aos vinte e cinco. Mais ela. Mais segura. Mais sozinha, no entanto.

Melhor que fazer cem. Mais ela. Mais segura. Mas sozinha.

Cinquenta pode bem ser o começo de alguma coisa. O dia, pelo menos, está bonito. Frio como o diabo, mas aquele sol de geada. Lindo, lá fora, quando abre a cortina.

Respira bem fundo.

Passa a língua entre os dentes e a gengiva.

Esfrega os olhos.

Lia não chega aos setenta. Mas não sabe.

Que bom.

Cinquenta, vinte ou sessenta e dois. É sempre melhor sem saber.

Tanto sol lá fora. Tão lindo. Parabéns, dona Lucília.

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