À beira do Manzanares

Havia pelo menos cinco décadas que este era o tema dominante nos encontros entre os três casais: a primeira providência depois da aposentadoria seria a aquisição de uma casa à beira do Rio Manzanares, de preferência próxima à Ponte dos Franceses, onde se encontravam durante a juventude.

As características inegociáveis do imóvel já haviam sido estabelecidas: cinco quartos (um para cada casal e dois para as visitas), banheiros suficientes para todos, ao menos duas salas amplas, nenhuma escada, área externa com capacidade de abrigar um pomar e uma horta, muita iluminação natural e espaço o bastante para atender às necessidades de ao menos três cachorros.

A ideia da moradia conjunta surgiu despretensiosamente e foi consolidada ao longo do tempo. Os seis haviam se conhecido no Colegio San Isidoro, onde estudaram nos anos primários. O primeiro casal se formara ainda na escola: Javier e Eva estavam juntos há 42 anos, desde o bachillerato; Ramon e Soledad firmaram a relação já no grado, quando finalmente se deram conta de que os amigos estavam certos e que haviam sido feitos um para o outro; Santiago e Frida, por sua vez, demoraram a ficar juntos: casaram-se com outras pessoas e se reconheceram enquanto almas gêmeas depois de suas separações.

Foi também nos tempos de colégio que os encontros no Manzanares começaram. Saíam do San Isidoro, caminhavam até a estação de metrô Menéndez Pelayo, desciam na Tirso de Molina, tomavam o ônibus na Plaza Mayor e saíam, finalmente, na Puente de Segovia-Paseo de Extremadura, de onde rumavam a pé até a beira do rio. Lá, tiravam os lanches das mochilas, que guardavam propositalmente para comerem juntos, e os estendiam sobre a canga que Eva carregava sempre.

Durante a juventude, os tópicos sobre os quais conversavam variavam entre os estudos, os filmes que assistiam no Cine Dore, os pratos que comiam na Taberna El Sur, quando juntavam o dinheiro que economizavam, e a ânsia de compartilharem momentos significativos de suas vidas, no cenário que obviamente haveria de ser o Manzanares.

No decorrer dos anos, não foram poucas as comemorações que se deram no gramado que ladeava o rio: Santiago e Frida celebraram ali a união do casal, Ramon e Soledad batizaram ali dois de seus três netos, Javier e Eva comemoraram ali trinta e posteriormente quarenta anos de união com piqueniques organizados pelos familiares. Criaram assim uma espécie de tradição que percorria gerações, uma vez que os filhos e netos de todos passaram a eleger a beira do Manzanares como paisagem ideal para suas celebrações.

Os anos se passaram e o plano de se mudarem juntos para a casa dos sonhos lhes apetecia cada vez mais. Decidiram que passariam a procurar imóveis a partir de então, com a ajuda de Carmen, filha de Javier e Eva. E encontraram.

A casa possuía todas as características desejadas e outras com as quais nenhum deles sequer sonhara até então, para além do fato de ser bastante próxima à Ponte dos Franceses, como uma piscina aquecida e uma extensa horta já instalada. Os prós eram muitos, mas o único contra parecia definitivo: o valor exorbitante. Para comprarem a casa, deveriam abrir mão de tudo o que haviam economizado até então. Pediram ao proprietário que aguardasse três dias pela confirmação da compra e se reuniram no chalé de Ramon e Soledad em La Pedriza para debaterem a viabilidade do projeto cultivado por tantos anos.

Poderiam esperar que Carmen, que os ajudava na empreitada, aparecesse com outras opções de imóveis, mas sabiam que a tendência era demorar. Poderiam comprar a casa pela qual haviam se apaixonado na semana anterior, mas que ficava distante do rio. Poderiam desistir do sonho, na mesma medida sonhado por eles e criticado por outros, com a certeza de que a relação que construíram não corria risco algum. As possibilidades eram muitas, bem como os palpites que recebiam dos filhos e de amigos, e o tempo era curto: a velhice havia chegado para todos, afetando especialmente a saúde de Ramon e Santiago, e os amigos sabiam que este era um processo incontornável.

Os três dias concedidos pelo proprietário eram tempo demais. Chegaram cedo à mesma conclusão: viveriam com o dinheiro contado, mas felizes. Deixariam claro ao destino que a vida toda haviam vivido ali, à beira do Manzanares, juntos, e não haveria de ser diferente quando a morte os alcançasse, sobretudo depois de constatarem que ela caminhava a passos largos.

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