Sobre domínio

“Você tem uma mulher fodendo com o universo”, ele me alerta, apontando para a minha mais recente tatuagem, localizada no braço esquerdo. Em dois segundos, aquele semi-conhecido, do alto de sua sabedoria dos 27 anos, põe por terra o desenho elaborado especialmente para mim.

Os traços formam dois corpos entrelaçados – um feminino, e outro, preenchido por um céu de estrelas. A ideia é, diga-se de passagem, baseada em um estudo do pintor austríaco, Gustav Klimt. A tatuagem em si é a única marca visível de uma tragédia pessoal, uma espécie de lembrete constante e particular: não me deixa esquecer que eu sou aquilo que resta quando todas as coisas dão errado.

O conceito veio da frase “você é tudo o que você pensa quando tudo deu errado. O resto, meu amor, é performance”, do livro Corações de mentira não pagam aluguel. Não me recordo as exatas circunstâncias em que esse único trecho chegou aos meus ouvidos cibernéticos, já que se trata de um livro que não li. Me lembro apenas da sensação de alívio, e acolhimento, ao pensar que eu havia recém descoberto uma força vital imensa, há muito perdida no fundo das minhas entranhas.

Acidentes de percurso têm dessas, às vezes é preciso ficar sem chão para descobrirmos – no nosso próprio âmago – que já sabemos todas as rotas. Eu aprendi a não me desesperar em meio ao caos, já que a ideia de controle é apenas isso: uma ideia. Uma representação mental vaga e “aproximada”.

Me recordo de todas as vezes, no último um mês, em que completos desconhecidos comentaram sobre o desenho. “Que tatuagem massa”, alegou o garçom de uma hamburgueria, em Paraty. “Extremamente simbólico”, declarou uma artesã que quase me arrancou lágrimas ao tecer um discurso imenso sobre a obra; “Lindo”, foi o comentário mais ouvido entre semi-conhecidos apreciadores da arte milenar da tatuagem. Entre os cerca de 13 rabiscos que adornam meu corpo, nunca antes os traços haviam movido tantas peças. É curioso.

Nos poucos segundos que levo para reagir, revisito aquela nova afirmação milhares de vezes. Penso em todas as significações que “foder” pode adquirir. Da ideia de laço carnal e/ou afetivo, ao seu conceito mais chulo e abstrato. Dou risada. De certa forma, é de fato um retrato fiel de uma mulher fodendo com o universo.

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