Fruto

É início da tarde de uma quarta-feira ensolarada de inverno. O céu azul tem poucas nuvens, e a temperatura – apesar da estação – consegue ser agradável sem que milhares de tecidos recubram a minha pele.

O pavimento da Comendador Araújo é ocupado por pessoas que retornam ao trabalho, depois do almoço. No interior do café, onde predominam os tons de branco, preto e caramelo, quatro mulheres ocupam duas mesas, sentadas em baquetas altas.

“Todas as minhas amigas de infância, e da faculdade, estão casadas e com filhos. Elas me acham um E.T.”, declara uma delas às demais. Estimo, pelas roupas e feições razoavelmente maquiadas, que estejam todas na faixa dos 30 anos. “Eu tô trabalhando, e a galera constituindo família”, replica uma outra. É um diálogo que sei de cor. Eu mesma já o tive algumas vezes, em tantas outras ocasiões, com tantas outras mulheres.

“Esses dias entrei em parafuso. Será que eu tô fazendo a coisa certa?”, arremata a segunda moça. A pergunta soa retórica. É mais uma armadilha do que um questionamento genuíno. Ninguém em sã consciência seria capaz de dar uma resposta.

Retomo mentalmente todas as crianças que me rodeiam: filhos de amigos, primos, conhecidos, aqueles que me chamam de “tia”, e os que preferem “dinda”. Relembro cada pequeno afeto, cada descoberta compartilhada. Repasso o trajeto de cada uma dessas mulheres, às quais uma pequena criatura chama de “mãe”. Ensaio simulações inúteis, um exercício mental de listar prós e contras totalmente imaginários. Ninguém em sã consciência seria capaz de dar uma resposta.

O ponto de interrogação ainda paira no ar quando uma delas se despede das demais. O assunto passa a ser uma série de aventuras que aconteceram em São Paulo. A moça se junta ao movimento que ocupa o pavimento da Comendador Araújo. O céu azul ainda tem poucas nuvens.

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