As sombras do ser e da sociedade

A sociedade reflete quem somos no claro e no escuro

O duo Tim Noble e Sue Webster são artistas plásticos britânicos que, desde a década de 1980, utilizam o lixo urbano como elemento primário de suas instalações, acumulando-o e moldando-o. Com a introdução da luz, as sombras surgem e convidam o espectador a refletir sobre assuntos sociais e psíquicos.

A sombra construída pelo duo inglês é uma metáfora sobre o excesso que esconde o verdadeiro caráter do indivíduo, o qual está incrustado entre plásticos, papéis e metais. Ou seja, a sombra é o que não queremos revelar sobre quem realmente somos e o que negamos para nós mesmos. A mensagem alegórica dos artistas é atemporal e universal.

Carregamos uma sombra própria, única. Como seres duais recebemos luz solar por um lado, e exibimos a nossa sombra do outro. É uma lei natural. Quanto mais intensa é a luz externa mais o negrume que carregamos se apresenta.

Nietzsche via a sombra como uma aliada, um elemento essencial à vida. Ele disse “… eu amo a sombra assim como a luz. Para que haja beleza no rosto, nitidez na fala, bondade e firmeza no caráter, a sombra é tão necessária quanto a luz”. Nietzsche amou a metafisica da sombra que desvela o concreto, dividindo a sua responsabilidade com a luz pela condução da vida do indivíduo.

Carls Jung fotografado por Paul Popper.

A partir de Nietzsche, Jung com sua psicologia analítica definiu a sombra como um arquétipo do inquieto submundo que existe em cada um de nós. É no inconsciente que o ruim (ou o pior) de nós está escondido, quieto em seu reinado de recalques.

A expressão artística (instalação) apresenta essa faceta analítica. O lixo é o bagaço do consumo necessário para viver a contemporaneidade. Um substrato emocional de escolhas feitas, desfeitas e refeitas na vida. Medos, insegurança, frustrações, ressentimentos, ódios e amor estão escondidos (guardados talvez) em nossos desejos ao apagar das luzes.

A sombra é alivio no calor intenso, o incomodo no frio efêmero, o muro protetor do inconsciente e a porta de entrada para explorar o todo que somos. Jung analisou que a consciência da existência das sombras que possuímos, permite enfrentá-las, promovendo qualidade de vida emocional e bem-estar. A sombra é para Jung a representação do tabu da maldade, das violências que carregamos.

“Infelizmente, não há dúvida de que o homem não é em geral tão bom quanto imagina ou gostaria de ser. Todo mundo tem uma sombra, e quanto mais escondida ela está da vida consciente do indivíduo, mais escura e densa ela se tornará. De qualquer forma é um dos nossos piores obstáculos, já que frustra as nossas ações bem-intencionadas”, disse Jung.

Reprodução de uma pintura de Jan Sanraedam.

Do indivíduo com seus recalques secretos, para a sociedade que insiste em não ver a sua realidade, inevitavelmente, a metáfora da sombra chega à Platão com sua caverna simbólica1 da ignorância e submissão. Ele relaciona a escuridão com a ignorância. Já as sombras das silhuetas são afirmadoras de crenças ilusórias, enquanto a luz é o conhecimento.

Um homem ou sociedade que vive na escuridão de sua ignorância civil, deixando de exigir seus direitos e sem praticar seus deveres, nada contribui para um coletivo melhor. As crenças religiosas, morais e ideológicas que permeiam sociedades como a nossa, que possui uma diminuta capacidade de reflexão, nos levam à caverna de Platão sem final feliz. A crônica dos anos está aí para vermos e revermos.

A ignorância rouba vidas, elimina futuro.

Tim Noble e Sue Webste fazem de suas instalações uma representação do indivíduo na sociedade. Afinal de contas, o lixo utilizado no trabalho é real e a sombra gerada pela luz sobre ele também é. Podemos concluir que a luz como sabedoria desvela a verdade por trás de enfeites descartáveis.

Wasted Youth, instalação de 2000, de Tim Noble e Sue Webster.

A Arte, Platão, Nietzsche, Jung são guias do pensamento para um bem maior, individual e coletivo. A complexidade do viver já é senso comum: temos as doenças físicas, as dores da mente, as dificuldades de sobrevivência, as frustrações com as próprias limitações, a violência social, as guerras urbanas e territoriais, e o custo alto de um bom enterro no final.


Até a semana que vem!

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