Então Deus instruiu Noé a construir uma arca.
– O bicho vai pegar, tudo aqui vai inundar.
– Mas tudo, Senhor? Não dá só pra gente ir até um lugar mais elevado? Tem uns descampado ali pra cima que…
– Faz o que eu tô mandando, Noé. E reúne os animais, um casal de cada espécie. O que você conseguir botar na arca eu salvo.
Foi lá Noé, pensando no tamanho da arca, logo ele que não manjava de marcenaria. Começou a construção e o trabalho de avisar os animais. Viu que logo teria problemas.
– Enchente aqui? Isso é fake news! No máximo vai dar uma chuvinha!
– Gente, vai inundar, tô falando porque ouvi de fonte segura.
– Qual fonte? O Diário de Jerusalém? Imprensa vendida, só serve pra desmoralizar o governo.
– Ai, Senhor…
***
As reações são diversas. As corujas se preparam para entrar na arca:
– Vamos com Noé.
As hienas criam memes:
– Depois da enchente eu quero beber igual Ló.
Maria Madalena fica passada:
– Estou passada.
Herodes fica putaço:
– Jerusalém não pode parar!
***
Ao longe, um grupo passa correndo atrás de um homem cabeludo, aos gritos de “vagabundo comunista”.
– Quem é aquele?
– Sei lá. Parece que queria que o dinheiro de César fosse usado na construção de uma arca maior, que coubesse todo mundo.
– César tem uma arca também?
– César tem helicóptero, casa de férias em cima do morro, mantimentos e submarino, em último caso. Pra César a enchente nunca vai chegar.
– A ele o que é dele, né?
– A ele o que é dele.
***
Na confusão, só uma parte consegue entrar na arca. Quando a água começa a subir e afogar todo mundo, um entregador de mirra por aplicativo ainda murmura:
– Que prejuízo pro meu patrão!
Ouvindo isso, um homem de óculos escuros dentro de um carro, água já pelo pescoço, ainda diz suas últimas palavras:
– Mas e o PT, hein?