Está tudo errado neste mundo. Não falo neste momento da atual pandemia, mas da forma pouco planejada com a qual o poder público cuida das nossas riquezas naturais. Há muito tempo, estatais de água e energia cuidam dos recursos da natureza no modelo “enxugando gelo”. Não dialogam com a sociedade, não planejam e se comunicam de maneira cínica após um período de paralisia de políticas públicas.
A crise hídrica de Curitiba é um bom exemplo. Há anos, técnicos da Sanepar previam as condições em que vivemos hoje, com necessidade de um longo racionamento e bairros sofrendo dias sem água. Se tiveram tempo para planejar ações que diminuam impactos negativos, por que não o fizeram? Uma política pública simples seria autorizar a instalação de poços artesianos. A Sanepar poderia fazer isso em algumas regiões, ensinando os moradores com ajuda técnica para guiar a construção dos poços. Mas apenas agora, após quase um ano de crise, ouvimos a prefeitura falar no assunto e de forma muito tímida.
Enquanto isso, os moradores aprenderam, na marra, a consumir menos, não lavando calçadas ou diminuindo a atividade na lavanderia de casa. Faltou política de incentivo ao uso consciente d’água e todos esses cuidados provavelmente devem ser esquecidos assim que o racionamento for suspenso – mesmo que demore – porque não há uma preocupação em mudar a cultura do consumo.
Outro exemplo da distorção da comunicação sobre consumo de bens naturais: a Copel acaba de lançar um programa de subsídio para troca de eletrodomésticos, dando descontos para a compra de novos mediante a entrega de geladeiras e condicionadores de ar com mais de cinco anos de uso. “Oba, vamos comprar ar-condicionado e geladeira, vou contar para minha avó, minha mãe e sogra. Corre todo mundo para a loja credenciada”. A solução é incentivar o consumo? É isso? Sei que os novos aparelhos gastam menos energia e que a Copel prefere custeá-los no lugar de investir na ampliação do o sistema. Parece lógico, mas não é.
Cabe ao poder público dialogar com a sociedade e fazê-la entender que está consumindo de forma incorreta e predatória. Por outro lado, uma política de longo prazo, de planejamento para diminuir o impacto sobre o consumo, é muito mais inteligente do que incentivar tanta compra desenfreada.
Para ir além
Sobre o/a autor/a
Maria Letícia
Vereadora de Curitiba, vegetariana, médica especialista em Ginecologia e atua como médica legista de carreira no IML do Paraná. Também é fundadora da ONG MaisMarias, que atua no combate à violência contra as mulheres.