Mais técnica, menos política

Importante deixar claro que esse dinheiro não é da prefeitura, não é do prefeito, não é da Câmara. É dos curitibanos

Entrei na política com a pauta de fiscalização. Como auditora na iniciativa privada, eu verificava as contas de grandes empresas e assumi o compromisso de fiscalizar as contas da prefeitura, agora como vereadora. 

Uma das principais funções do vereador, além de legislar, é fiscalizar o Executivo municipal. E uma das etapas mais importantes desta atividade é a avaliação das prestações de contas do prefeito. Isso está na Constituição Federal. O art.º 31 deixa claro que a fiscalização do município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, com o auxílio do Tribunal de Contas. 

De forma resumida, o prefeito encaminha os dados dos gastos do município para o Tribunal de Contas e, após o término do ano, o TCE começa um processo para avaliar as contas e as movimentações financeiras. 

Após a análise de diversas áreas técnicas, como o Ministério Público de Contas e outras divisões, pareceres são encaminhados para os conselheiros, que emitem um parecer que pode ser:

  1. Regularidade das contas, quando as contas estão de acordo com as normas; 
  2. Regularidade com ressalvas, quando há itens que estão em desacordo, mas não geraram dano ao erário ou execução de programa; ou 
  3. Irregularidade, quando comprovadas ocorrências, como infração à norma legal ou regulamentar, desfalque ou desvio de dinheiro, entre outros.

Depois disso, as contas são encaminhadas para a Câmara Municipal, para então serem julgadas. E o primeiro passo na Câmara é a análise pela Comissão de Finanças, que emite um parecer que é encaminhado ao plenário. Aqui na Câmara de Curitiba, mais especificamente, pela Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização, da qual sou vice-presidente.

Teoricamente, as contas deveriam ser avaliadas estritamente de forma técnica, seguindo as normas e leis vigentes. Pelo menos na Comissão de Finanças. Mas, infelizmente, estamos percebendo que as decisões aqui nem sempre são técnicas.

Na análise da prestação de contas do ano de 2015, verificamos diversas irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) e pelo Ministério Público de Contas do Estado do Paraná. Além do atraso para finalização desse trabalho, que prejudica as análises e é uma pauta que venho tratando também, as áreas técnicas do TCE-PR emitiram pareceres pela IRREGULARIDADE das contas, as quais foram amenizadas posteriormente no parecer final dos conselheiros. 

Nós analisamos o processo completo, mais de mil páginas e 166 peças, e emitimos um parecer com mais de 30 páginas, focado nas normas da contabilidade pública e nas leis, pela irregularidade das contas. Não avaliamos o gestor, avaliamos a gestão financeira. Com o mesmo rigor que sempre tivemos e teremos em análises futuras. Porém, a sensação é que esse trabalho técnico foi em vão.

O resumo da história descrevo adiante.

Na nossa primeira avaliação, verificamos que não só havia pontos em desacordo com as normas já apontados pela área técnica do TCE-PR, mas também encontramos uma nova irregularidade: contas que estavam negativas e que não haviam sido consideradas em passivo, aumentando ainda mais o déficit.

É como se o prefeito tivesse dito que não tinha déficit porque pagou os boletos, mas quando você verifica a conta com a qual ele pagou o boleto, elas estavam negativas. Ou seja, a dívida desse boleto não havia sido efetivamente quitada. 

Fizemos um voto em separado por um primeiro parecer por mais informações, justamente para entender se havia algo que não estávamos considerando e para entender se esse apontamento era de fato o que havia ocorrido. 

Indicamos também o posicionamento pela irregularidade das contas e questionamos o então prefeito à época para responder esses apontamentos. Esse nosso parecer foi aprovado na Comissão de Economia, Finanças e Fiscalização, algo inédito na história da Câmara. 

A sensação era de que estávamos caminhando para um trabalho técnico e que a Comissão estava focando nas normas. Tive a esperança que as mudanças poderiam começar a acontecer.

A resposta do ex-prefeito chegou. Mas não só foram insuficientes, como também complicaram ainda mais a situação, indicando que muitos dos nossos apontamentos eram apenas “mera questão de formalidade”.

Com a resposta do então gestor, fizemos um novo parecer pela rejeição das contas, indicando todas as leis e normas não estavam sendo respeitadas e o que estava em desacordo com o Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público. 

A essência do parecer era a mesma do que havíamos feito anteriormente, e a defesa do prefeito não sanou as irregularidades. Porém, de nada adiantou esse rigor técnico.

No dia 3 de novembro de 2021, a Comissão aprovou as contas de 2015 com 7 votos a favor e 2 contra. O parecer aprovado, pela regularidade com ressalvas, tinha 5 páginas e não trouxe nada de novo. Os pontos desse parecer que embasaram a regularidade com ressalvas já haviam sido amplamente analisados no meu parecer anterior. A mesma comissão, que havia aprovado o meu parecer anterior, deu um sinal contraditório. Votou favoravelmente a uma linha que tinha sido contra em discussão recente. Me pergunto o que mudou. Os apontamentos eram os mesmos e a defesa não sanou  as irregularidades.

A resposta parece ser mais política do que técnica. Não são as normas. Não são as leis.

A comissão aprovou contas com ressalva mesmo com mais de duzentos milhões de déficit. Aprovou a falta de rigor com as normas técnicas. Aprovou o atraso na prestação de contas. Aprovou não pagar aportes milionários para a  previdência dos servidores municipais, que gerou multas de quase 2 milhões de reais. Aprovou a falta de comprometimento com a contabilidade pública. Aprovou a falta de responsabilidade e falta de respeito com o pagador de impostos.

Importante deixar claro que esse dinheiro não é da prefeitura, não é do prefeito, não é da Câmara. É dos curitibanos. 

Não vou desanimar nem desviar do foco de transformar a política. Sabemos que não é uma missão fácil. Sigo firme com o meu trabalho técnico, ainda que algumas coisas demorem para mudar. É para isso que estamos aqui!

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