Furiosa Aberta

Ímã não mede esforços para encher as palavras de sons significantes

Hoje peço licença para não falar de música de concerto tradicional. Tem coisa nova nascendo, e é preciso estar de ouvidos abertos. Porque depois de séculos, ainda há espaço para se criar e/ou recriar.

Eu estava ansiosa pelo lançamento de Furiosa Aberta, da miniorquestra Ímã. Já conhecia o grupo pelo primeiro álbum, e acho o som deles contemporâneo e comunicativo – cheio de expressão. Então, na semana passada, quando ouvi pela primeira vez o novo EP, eu tinha uma certa expectativa. Mas a galera me surpreendeu!

Três elementos me chamaram muita atenção: o compromisso com a retórica musical, o diálogo com os ruídos e pluralidade rítmica e tímbrica.

Quando fiquei sabendo que Furiosa Aberta era construído com poemas que a banda musicou, eu pensei: “ousados”. Não que isso não seja uma tradição em música. Tom e Vinicius fizeram o Brasil mais famoso, também, por isso. Mas quando falamos de poesia contemporânea, estamos falando de uma musicalidade menos superficial das palavras. 

A canção popular costuma ter uma forma conhecida por nós. Ela se repete em texto, tem refrão. Essas repetições auxiliam a compreensão, memorização e afinidade com as músicas. É isso que faz com que elas, por vezes, não saiam das nossas cabeças. Mas quando escutei o novo EP da ímã, percebi uma sagacidade bonita.

As músicas de Furiosa Aberta são rapsódicas. Fluem livremente por onde os poemas levam o som. E, de maneira brilhante, constroem imagem. Em “Cidade Assionara Souza”, por exemplo, quando o texto de Julia Raiz anuncia autores clássicos da nossa literatura, como Eça de Queiroz, temos para acompanhar uma música clássica brasileira – o choro. Com cavaco, violão de sete cordas, percussão e voz formando uma primeira camada de som que retroalimenta o poema.

Mas à medida que o texto caminha, e fala de “um chefe que é um porco”, por exemplo, o som caminha junto. Com estranheza e coesão ao mesmo tempo, percebemos que a banda sabe usar as ferramentas musicais de maneira brilhante. Criam dissonância, consonância, ritmos, timbres e interlúdios para seguir acompanhando o poema de maneira retórica. Como que para nos auxiliar a compreender aquelas palavras com ainda mais profundidade.

Em menos de cinco minutos, ímã faz choro, música experimental, rock e samba. Uma música que começa com sintetizadores e uma mulher falando, termina quase no mesmo lugar, mas passa por mundos inteiros.

Esses mundos por onde sons e palavras passam, criam um novo mundo, onde sons e palavras se encontram. Furiosa Aberta não mede esforços para encher as palavras de sons significantes. Há voz, há corpo, há energia e há tecnologia de formas completamente diversas, dissonantes e harmônicas. Ímã se lambuza em sonoridade e cor para se expressar. Soa sobre um futuro furioso e aberto para nós.

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