Caio e seus morangos

Autor gaúcho, morto em 1996, é essencial e necessário - seus morangos até podem ser mofados, mas são atualíssimos e nunca vão morrer

Caio Fernando Abreu morreu aos 47 anos em 1996. Mas está vivo, presente e atual, e sempre será. Descobri-o tarde. Nos anos 80, estava ligada em outras literaturas e coisas. 

Perdi. E como.

Morangos Mofados, re-editado pela Companhia das Letras em 2019, foi escrito em 82, e revisado pelo próprio Caio em 1995. Na nota do autor, ele diz que “depurar esses morangos foi como voar sobre uma rede de segurança. Só espero não ter errado o pulo”. Não errou nada, Caio.

Ele é um personagem por si próprio. Viveu tudo que tinha que ser vivido em cada década, cada época. Porto Alegre, Rio, São Paulo, Londres. Comunidades hippies, bares, vernissagens, teatro. Foi colunista, cronista, dramaturgo, contista, romancista. Punk, dândi, hippie, Caio. Gay, contra os militares no poder, frequentou as Dunas do Barato no Rio, viveu na Casa do Sol de Hilda Hilst, trabalhou na Editora Abril em São Paulo, entre outras coisas e lugares.

Ganhou mais de um prêmio Jabuti e escrevia muito. Sobretudo, sobre os amigos, as vivências e experiências. Cada texto de Caio é um mergulho radical nos personagens, e um retrato da época. Sua literatura não tem comparação. 

O conto “Os Sobreviventes”, de Morangos Mofados, é sobre um casal, que não é um casal, mas teria tudo para ser. Ele gosta de homens e ela, de mulheres. Entre doses de vodka nacional, música de Angela Ro Ro e cigarros, as vozes se alternam e se misturam em uma narrativa amarga.

ARQUIVO 17/02/1987 CADERNO2 LITERATURA – Escritor Caio Fernando Abreu FOTO JUVENAL PEREIRA / ESTADÃO

O amargor está presente em Caio. Ele é lúcido para fazer um raio-X das situações e sabe que o final não será feliz. Caio não tangencia – ele fala, dá nome às coisas, e nome às pessoas. Escreveu sobre HIV, que o matou. Angústia, desespero e medo. Caio não se censurou: que dádiva para nós, leitores de sua obra.

José Castello, autor do posfácio, escreveu que Caio “propõe, assim, uma fuga para dentro e uma opção fervorosa pelo Eu. A auscultação de um tremor”. Parece contraditório, já que os textos de Caio são um retrato das pessoas e dos cenários de tudo que ele viveu. Mas Castello interpretou muito bem Caio.

Outro livro de contos, O Ovo Apunhalado, soa até singelo perto de toda a obra que viria depois. Foi publicado em 1975 e revisitado por ele em 85, publicado pela L&PM. 

Quando o escreveu, Caio tinha pouco mais de vinte anos. Na nota do autor, em 85, ele diz que o livro tem defeitos, mas “este Ovo talvez ainda sirva como depoimento sobre o que se passava no fundo daqueles pobres corações e mentes daquele tempo. Amargo, violento e cheio de fé, a mesma que me alimenta até hoje”.

Lygia Fagundes Telles, que está quase centenária, escreveu o prefácio. “O que me inquieta e me fascina (…) é essa loucura lúcida (…) terrível porque revelador de um denso mundo de sofrimento, de piedade, de amor”.

Isso é Caio Fernando Abreu. 

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