Um café com caramelo no multiespaço criativo da Rua São Francisco

Com cafeteria, restaurante, galeria de arte e loja de camisetas, o SFco. 179 busca revitalizar a rua do Centro

Das pouquíssimas opções possíveis de distração durante o Carnaval deste ano fatídico de 2020.2, uma delas era sair para fotografar ao ar livre. Até para um entusiasta como eu, aquilo não chegava aos pés de ter curtido a nossa festa popular mais famosa. Seja no bloco, praia ou serra, Carnaval é Carnaval e, o do desse ano, bem, não foi! 

Respeitando as limitações sufocantes às quais estamos submetidos nestes tempos, fomos. De câmeras em punho, um amigo e eu, partimos para o alto São Francisco, ao redor das ruínas da Igreja que, coincidentemente, também nunca chegou a ser, para capturar uns bons cliques e respirar um pouco de ar puro através de nossas máscaras de algodão.

Eu gosto muito de tirar fotos no bairro do São Francisco, especialmente no Centro Histórico. Ainda que tenha parcas noções fotográficas, acredito que assim como na gastronomia, fotografia é contraste e o São Francisco é um prato cheio. Talvez seja pela energia oriunda da colisão de dois mundos: o patrimônio histórico estruturado pela lei em sentido amplo e a manifestação cultural libertária a que o bairro aspira. O resultado: ame-o ou odeio-o ninguém é indiferente ao São Francisco. 

Depois da “golden hour” (aquela que nada tem a ver com Golden Shower) e muitos cliques, fizemos nosso caminho descendente pelo Largo da Ordem até a rua que leva o mesmo nome do bairro. Tínhamos uma missão – na verdade quem tinha era eu, meu amigo tava no só no rolê: descobrir o novo multiespaço que abrira recentemente no local para que pudéssemos tomar um café. 

Abrir e fechar tem sido a constante dos empreendimentos da rua nos últimos anos, em especial os gastronômicos. Ela (e o bairro) passa por um intenso processo de (re)ocupações, tanto do espaço urbano quanto vocacional, não obstante, mergulhado em controvérsias. A rua foi revitalizada pela prefeitura em projetos de recuperação do patrimônio histórico e recentemente foi alvo de uma última tentativa de reocupação vocacional, transformando-se em um local voltado ao lazer noturno. Porém, e agora agravada pela pandemia, pode-se dizer que as muitas portas fechadas pela rua são fruto da absoluta derrocada desta última tentativa. 

Em seu livro “Baixo São Francisco”, a cientista política Selma Baptista enumera, por meio de sua pesquisa, inúmeras possíveis razões para este último insucesso e, entre elas, motivos multifatoriais que englobam desde segurança urbana, tráfico de drogas e uma disputa de classes intrínseca à retomada das ruas pelos jovens da capital nos últimos anos. Após inúmeros episódios, desistências e problemas, os empreendimentos foram saindo um a um e aparentemente o deslocamento do perfil de funcionamento deste trecho do bairro de diurno para noturno foi um rotundo fracasso facilmente observável hoje em dia. 

Dito isso, estava muito intrigado em conhecer o lugar que se apresenta em uma de suas redes sociais como “Projeto de regeneração de local histórico, redesenhado como um multiespaço para você descobrir.” Quer deixar alguém mais curioso do que essa última frase?  

Chegamos em frente ao portão de ferro de número 179 da sua São Francisco, tocamos o interfone, a porta se abriu, adentramos por um curto corredor, poucos passos adentro, chega-se a um jardim interno, com um parreiral e árvores frutíferas, aquelas dos quintais de nossas avós. O visual do espaço fica entre uma viela e um jardim que se confundem. São quatro empreendimentos que o compõem: a cafeteria a qual fomos, um restaurante (o Tijolo), uma galeria de arte e uma fábrica/loja de camisetas customizadas.

Entramos no café e nos dirigimos ao caixa atrás de indicações do que consumir. A decoração de arquitetura contemporânea, com referências industriais, orna absolutamente bem com a proposta mais elegante do café de torras especiais. Pedi uma finalização de caramelo no meu café passado e não me arrependi. Há de ser um pouco indulgente nestes tempos, todo dulçor vem a calhar. 

Passamos um tempo do lado de dentro do café acompanhando o fluxo de gente plural que entrava e saia. Era perto do fim de tarde, havia turistas, gente jovem, trintões como eu e gente mais velha. Observava as pessoas pelas grandes janelas que dão para o pátio repleto de plantas. Me deu vontade de passar mais tempo ali. 

Apesar de não ter chegado a conhecer o trabalho da chef Camila Alves que toca a cozinha do Tijolo, sua decoração impecável e slogans como: “A gente cozinha para todo mundo” e “A gente cozinha com o que tem”, em referência ao respeito à sazonalidade dos alimentos e, acredito eu, à abertura para uma pluralidade de clientes, me conquistou em absoluto. É gente dedicada e disposta que a gastronomia precisa. Gente que emerge dessas zonas incongruentes da cidade, onde a criatividade aplaca as angústias da reflexão e serve de instinto à criação (outros dizeres de suas redes sociais). 

Tudo isso, além de ter valido a minha visita, me faz querer voltar ao espaço mais vezes. A solução criativa e colaborativa traz em si uma nova tentativa de (re)ocupação do espaço, desta vez realocando sua potencialidade no dia, repaginando os serviços ofertados na rua, mas sem necessariamente entrar em disputa com outros estabelecimentos mais tradicionais que lá funcionam no mesmo regime. Ponto para o centro, para a gastronomia curitibana e para nós!

O(A) São Francisco nunca vai estar livre de controvérsias, é quase sua vocação territorial. Porém, neste novo esforço criativo que emerge triunfante durante a pandemia, talvez haja um novo caminho mais sustentável a se seguir na (re)ocupação do coração da capital! Que o potencial criativo deste território se faça fluir na recuperação necessária depois dos tempos traumáticos que vivemos. Vida longa ao número 179, da Rua São Francisco e a toda transformação que ele possa capitanear!  

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