O que dá à ACP o direito de apoiar Bolsonaro?

O comércio enfrenta graves problemas e mesmo assim a Associação Comercial do Paraná segue endeusando Paulo Guedes

“Imagina explicar isso na favela”, disse o candidato a presidente da república pelo PDT, Ciro Gomes, a um grupo de empresários reunidos para ouvir sobre suas propostas econômicas. Ciro, versado no assunto, mas não estranho a gafes, emplacou mais uma. Desastrosa para dizer o mínimo, a expressão desqualifica a potencialidade da favela, instituição que há muito inventa, reinventa e sobrevive a governos que sistematicamente lhes mantêm somente com o nariz para fora d’água, tratando seus habitantes como sub-cidadãos. No entanto, o pior, na minha opinião, não foi isso, foi a fé que o candidato deposita, como reserva intelectual, nesta vergonhosa classe brasileira, o empresariado organizado.

Para não me deixar mentir, a ACP (Associação Comercial do Paraná), cega por seus posicionamentos políticos partidários, através de seu presidente, Camilo Turmina, protagonizou outra das suas. O Presidente Jair Bolsonaro, esteve recentemente em Curitiba, organizando mais uma de suas motociatas e é claro, o apoio da organização de classe curitibana não ficou de fora. Camilo usou das redes sociais para gravar um vídeo, usando a pífia concentração de bolsonaristas como pano de fundo, onde enalteceu a visita do Presidente à cidade e sua contribuição à, nas suas palavras, “democracia e a livre iniciativa”!

Como comerciante, estou desconcertado. O ano está amargo para todos nós, empresários. O setor da gastronomia, depois de um gigante baque pandêmico, segue na UTI, respirando por aparelhos. Os números, que não nos deixam mentir, são de terra desolada. Até o meio do ano, pouquíssimos restaurantes sequer auferiram lucro. De acordo com a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), 65% dos estabelecimentos não viram a cor do dinheiro e os empresários culpam, com toda a razão, a inflação. Dos mesmos, 83%, inclusive, tem a alta dos preços como o principal desafio a ser superado este ano.

Não podemos esquecer também a diminuição drástica de clientes, 60% dos trabalhadores brasileiros preferem levar marmita para o trabalho dada a alta dos preços. Não só isso, ainda que o consumo tenha se levantado nos últimos anos, com a volta das atividades pós-pandemia, é notável e notória a crise econômica a que os brasileiros estão acometidos. Esta situação leva a cortes orçamentários drásticos, em especial, nos supérfluos, onde nós, bares e restaurantes estamos inseridos.

Começo da manifestação pró-Bolsonaro em Curitiba: ruas vazias. Foto: Fran Machoski

Como se não nos bastasse, somos obrigados a segurar nossos preços, a custo de nossa saúde financeira e pessoal, para honrar contratos e obrigações, principalmente relacionados à ponta mais frágil do nosso equilíbrio empresarial, os notoriamente mal pagos funcionários. Em média estamos defasados em torno de 30% com relação à inflação do mesmo período, também de acordo com a Abrasel. Ou seja, pagamos mais caro e não temos como repassar para a nossa fonte de captação de recursos, o consumidor, piorando as margens de lucro que já eram baixas.

Enquanto isso, em Brasília, o ministro da Economia continua com seus devaneios de que o país irá decolar. Eu, que memória curta não tenho, escrevi aqui no blog o descompasso que seria a parte produtiva do país ainda seguir cegamente o neoliberalismo infantil xiita da turma de Paulo Guedes. Porém, para os representantes da classe em Curitiba, seu líder continua exemplo a ser seguido. O mesmo ministro que tem dinheiro em paraísos fiscais e segura uma política cambial com a qual lucra descaradamente, lhes parece bom guru.

Não é só isso. Há pouquíssimo tempo tivemos o nefasto episódio da invasão do aniversário do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, por um bolsonarista, terminando com a morte do petista, que celebrava seus cinquenta anos, com uma festa homenageando o ex-presidente Lula. Num país neste nível de polarização, por que Camilo Turmina acha razoável expressar livremente o seu posicionamento político sendo presidente de uma entidade de classe suprapartidária? Que espécie de mensagem está sendo passada em atos como esse?

Auge da manifestação pró-Bolsonaro. Foto: Fran Machoski

Que democracia é esta a que se refere o presidente da ACP? A mesma atacada veementemente nos grupos de discussão privada de empresários bolsonaristas? E que livre iniciativa é capaz de exercer um pequeno comerciante, soterrado por dívidas, sem apoio ou representação, brigando para manter-se aberto em um cenário tão ruim quanto o atual? O setor para qual a ACP trabalha, independente da vertente política que se professe no âmago pessoal de cada empresário, precisa do seu apoio. Não cabe a organização deixar margem a dúvida de seu apoio incondicional a todos. E não é isso que estamos vendo, é todo o contrário.

Espero sinceramente que seus últimos atos reflitam tão somente um saudosismo do tempo que talvez se despeça. Utilizar-se de meia dúzia de gatos pingados para evocar uma opinião uníssona de empresários, não cola mais. O setor precisa de medidas estruturais importantes, vontade política, investimento, crédito, segurança, e uma população geral bem empregada. Logicamente, não foi nada disso que tivemos nos últimos quase quatro anos. Rogo sinceramente que a entidade entenda, numa eventual mudança de time em Brasília, que seu papel abrange a todos e não só o seu correligionário do coração. Nem todo mundo quer ser o Coco Bambu.

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