O estranho caso de um governo anticultura

Notas sobre a Lei Paulo Gustavo

O secretário de Cultura do governo Bolsonaro (ex-Malhação e atualmente filiado ao PL), Mario Frias, não gosta da ideia de R$ 3,86 bilhões irem para o setor audiovisual brasileiro. O referido secretário pediu o veto para a Lei Paulo Gustavo, mas o pedido foi rejeitado pelo Senado.

Mas não é sobre R$ 3,86 bilhões que deveríamos estar falando, mas sobre os R$ 6,13 bilhões. O que seriam esses mais de R$ 6 bilhões? Isso é o retorno médio esperado para os cofres públicos por meio de projetos culturais e artísticos. O cálculo feito pela FGV — usando como parâmetro a Lei Rouanet — aponta que para cada 1 real 1,59 voltam para a economia do país. Lembrando que isso é só uma média, pois, por exemplo, no Festival Literário de Paraty, a FLIP, esse retorno é de 13 para 1. Eu sei, a Lei Rouanet é outra, mas ela serve muito bem como explanação: o setor artístico-cultural gera emprego, renda e movimentação econômica em uma escala tal, que ser contra só poderia ser um ato de ressentimento irracional contra todo um setor econômico — o que talvez explicaria a inabilidade do atual governo em conseguir fazer o cálculo.

Antes do veto, a deputada federal Bia Kicis (atualmente também do PL) tentou emplacar uma emenda que estipulava o governo como estância decisória das prioridades da verba. O engraçado é que querer forçar o governo como árbitro não é, digamos, nada liberal. Isso por si só já deveria ostentar uma afronta aos princípios do Partido Liberal (PL) que prega a seguinte doutrina expressa publicamente no seu website: “somos liberais porque defendemos os direitos individuais, a liberdade e o fortalecimento da pessoa na comunidade e diante do Estado”.

Bom, tudo o que fazem mecanismos como a Lei Paulo Gustavo é o fomento da livre iniciativa individual. Mais de meio bilhão dessa verba se destina à manutenção de cinemas públicos e acervos, o apoio à cineclubes e a realização de festivais. Eventos dessa natureza são a manifestação espontânea da vida cultural contemporânea expressa em projetos únicos e repletos de características regionais.

Outra crítica falaciosa aos mecanismos de financiamento do setor é o de que ele estaria sendo privilegiado. Afinal por que outras empresas também não ganharam uma ajuda? Esta é mais uma confusão, pois festivais, cineclubes e mostras não funcionam como empresas capitalistas em seu pleno sentido. Iniciativas artísticas costuma ser projetos individuais carregados por muito trabalho, pouco dinheiro e uma paixão infindável. São empresas no papel, mas muito pouco se assemelham a um negócio. Eu diria que a maioria dos CNPJs responsáveis pela produção cultural nacional goza de um estágio entre o segundo e o terceiro setor: são empresas privadas, mas o foco no ganho social é maior que o interesse pelo lucro.

Ao mesmo tempo, projetos culturais e artísticos suprem parte fundamental da alma de uma nação onde governo e setor privado não conseguem alcançar, em parte pela lentidão do Estado, em parte pela lucratividade tão baixa (ou nula) que nenhuma empresa focada apenas no lucro poderia suportar.

Em um país imenso e pulsante de criatividade como o Brasil, atingir patamares de desenvolvimento humano sem necessariamente ter uma economia desenvolvida parece uma utopia, mas nós mostramos ser possível através da canalização dessa energia para o incremento do potencial cultural da nação via incentivo. O lucro verdadeiro é o ganho humanitário, mas esse valor é incalculável.

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