Nosso pinheiro resiste, mas só nas calçadas

Em 1920, Curitiba deu início a calçamentos com mosaicos a partir do símbolo do Paraná, suas pinhas e pinhões, mas, até hoje, só eles vêm sendo realmente preservados

A triste coincidência: sábado passado, o Plural, intrépido como sempre, publicou reportagem denunciando a derrubada de quase 100 pinheiros em Almirante Tamandaré. E, por conta da tripla pandemia (Covid-19 + bolsonarismo + corrupção na compra de vacinas etc e tal), há quem, rumo ao trabalho, tenha optado pela caminhada. Mas, forçado por outra circunstância, o estado precário de algumas calçadas, que, inclusive, leva alguns pedestres a se arriscar na pista exclusiva dos vermelhões, viu-se obrigado a alterar a rota. E aí topou com um pequeno grupo, a serviço da prefeitura, recuperando calçadas – com muito empenho e talento. Afinal, tratava-se de calçada com petit-pavet (aquelas pequenas pedrinhas, em francês).

Terra dos pinheirais (até quando?)

A pinha é o verdadeiro fruto da araucária. Redonda como uma bola, ela ultrapassa 3 quilos e costuma guardar 100 sementes, que são os pinhões. Assim, suas sementes serviram de alimento para muitos animais e também para os índios caingangues, que habitavam o Paraná. Daí ter se tornado um dos símbolos do estado, ficando conhecida como o pinheiro do Paraná. Quanto a sua preservação, vale voltar no tempo:

A araucária está entre as espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção e com alto risco de desaparecimento na natureza em um futuro próximo. Faz parte da lista de espécies ameaçadas de extinção da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza) e da lista Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçada de Extinção do IBAMA (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). De vulnerável em 1998 e 2000, a araucária angustifólia passou para a categoria “criticamente em perigo” em 2006. Pesquisas indicavam que a floresta com araucária já tinha perdido aproximadamente 97% de sua área original, o que comprometeria totalmente a sua variabilidade genética. Esse quadro se deve, dentre outros fatores, à conversão das áreas de florestas nativas para a agricultura, ao crescimento das cidades e ao uso da madeira.

Zigue-zague de pedras

Foto: Daniel Castellano / SMCS.

Uma matéria do Plural – edição de 11 de setembro de 2019 – tinha como foco as calçadas com petit-pavet – o originalmente chamado mosaico português.

– Em 1842, no Castelo de São Jorge, uma prisão de Lisboa, o comandante militar Eusébio Furtado ordenou aos presos que cobrissem o pátio com um zigue-zague de pedras. O resultado foi tão impressionante que atraiu a atenção não só dos portugueses. E consta que foi objeto de uma das primeiras fotografias do mundo, feita por Louis Daguerre. Batizado de mosaico português, o trabalho deu origem a uma profissão, a de calceteiro. Vai daí que, em Portugal, surgiria em 1986 uma escola para certificação desses profissionais.

E chegou ao Brasil

Em 1905, Rio de Janeiro e Manaus foram brindados com a chegada do mosaico, graças aos portugueses que para lá imigraram. E a calçada com mosaicos passou a fazer parte da história de Curitiba na década de 1920. Temos como um dos bons exemplos um trecho da Rua Conselheiro Laurindo, em frente ao Teatro Guaíra, que foi além da pinha e dos pinhões, nos remetendo a ondas do mar e, assim, lembrando calçadas de Copacabana. Não demorou e os pinheiros, pinhas e pinhões, estilizados pelo pintor e desenhista Lange de Morretes, ganharam seu devido espaço.

Lange de Morretes.

A vez dos indígenas

A Praça Tiradentes, inclusive, mereceu temas indígenas. E, a alguns passos dali, imagens modernistas, com motivos geométricos criados pelo arquiteto Osvaldo Navaro. Segundo o dicionário, calceteiro é o operário que trabalha no calçamento de ruas ou de outras superfícies com pedras ou paralelepípedos. Trabalhador que faz o revestimento de calçadas com pedras portuguesas, pedras em forma de cubos que formam mosaicos.

E vale citar José Ortega y Gasset:

– Eu sou o que me cerca. Se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

O (des)encontro com Têmis

Têmis gostaria de ir ao encontro de Maria, uma jovem vítima de violência doméstica, mas o Brasil foi o grande responsável pelo desencontro

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima