Andando pelo Juvevê, hoje um dos bairros mais badalados de Curitiba (antigamente, famoso era o “bairro chique do Batel”), é impossível passar ao largo ou ignorar olimpicamente o drama dos chamados moradores de rua. Drama ainda maior com a inconstância de nosso tempo.
E, o que mais se ouve, passando por marquises e esquinas, é o pedido:
– Tem uma moedinha pra me ajudar?
Não há como deixar de lembrar um filme do argentino Fernando Birri: o Tire Dié. O cineasta, que morreu em dezembro de 2017, em Roma, aos 92 anos, pregava a solidariedade entre os povos. E via na arte uma forma de militância. Ou seja, os artistas estavam a serviço do povo, sem que isso significasse subserviência.
Birri sempre citava Bertolt Brecht:
Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;
Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;
Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis.
Do Cinema Novo ao Nuevo Cine
Durante a ditadura militar argentina (1966 e 1973), o cineasta vagou por diversos países, entre eles o Brasil e Cuba. E contribuiu, inclusive, para o surgimento do Cinema Novo no Brasil e do Nuevo Cine em outros países da América Latina. Durante sua permanência no Brasil, conheceu Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, dois dos maiores nomes do nosso cinema.
“Jogue dez centavos”
Mas, voltando ao Tire Dié: de 1960, o filme contou com o roteiro de Fernando Birri, Juan Carlos Cabello, María Domínguez, Manuel Horácio Giménez, Hugo Gola, Neri Milesi, Rubén Rodríguez, Enrique Urteaga.
As imagens nos levam a Santa Fé, Santa Fe de la Vera Cruz, nona cidade mais populosa da Argentina, localizada na região centro-leste do país, às margens da lagoa Setúbal, do Rio Santa Fé e do Rio Salado. Região com uma forte influência climática do rio Paraná. Depois de mostrar dados de sua pujança econômica, Birri leva o espectador para a periferia da cidade, onde se encontra a comunidade de Tire Dié, onde, todos os dias, crianças do bairro aguardam a passagem de trens para pedir dinheiro, correndo, acenando e gritando “tire dié!” (jogue dez centavos!) para os passageiros. Muitos deles, pelas janelas, atendiam o pedido.
Segundo a crítica, na época, o filme levantava questionamentos sobre a América Latina e seus povos, tornando-se importante obra de cunho social, o que desencadeou várias outras produções cinematográfica com o mesmo apelo.
As moedas mudaram e mudam; o cinema mudou e o drama também. Só que este mudou e continua mudando para pior. E, assim, é cada vez mais visível e espalhado – e não apenas pelos tristes trópicos.