Em As Palavras (Les Mots), autobiografia publicada em 1964, Jean-Paul Sartre declara todo seu amor às palavras – e como encontrou refúgio na palavra escrita, concebendo a literatura como a sua própria emancipação. Nos tempos bicudos de hoje, quando o ministro da Educação (ou seria Iducassão?) atropela o português perpetrando seguidos erros de grafia (40 em 30 dias), indo do imprecionante até paralização, há quem tenha recorrido a um texto.
Publicado pelo Jornal do Brasil, edição de 19 de setembro de 1998, registra uma conversa entre Graciliano Ramos e o jornalista e escritor Joel Silveira, que, aos 80 anos, lança Na Fogueira, Maud Editora, seu primeiro livro de memórias. Nele, aborda a época do Estado Novo e o início de sua vida profissional ao lado de figuras como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e Guilherme Figueiredo.
Título do JB:
Da arte de escrever ou “a palavra foi feita para dizer”.
– Quem escreve deve ter todo o cuidado para a coisa não sair molhada.
Joel não entendeu, Graciliano explicou:
– Quero dizer que da página que foi escrita não deve pingar nenhuma palavra, a não ser as desnecessárias. É como pano lavado que se estira no varal.
E prosseguiu:
– Naquela maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Sabem como elas fazem?
– Não.
– Elas começam com uma primeira lava. Molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Depois colocam o anil, ensaboam, e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando a água com a mão. Depois batem o pano na laje ou na pedra limpa e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever deveria fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso, a palavra foi feita para dizer.