Do cartum às caricaturas (reais)

Os filmes de Fellini são marcados pelas figuras extravagantes que faziam figuração

Não que o meu amigo seja um tipo apolíneo, muito pelo contrário, é mais feio do que briga de foice no escuro, como se dizia antigamente. Andando pelo bairro, ele mantém o velho hábito de observar pessoas estranhas, fora do esquadro. E, a propósito disso, há quem recorra a Federico Fellini.

Autor de mais de 20 trabalhos, como Oito e MeioA Estrada da VidaAs Noites de Cabíria e Ginger e Fred, Fellini (20 de janeiro 1920/31 de outubro 1993) marcava seu trabalho também pelas figuras extravagantes que faziam figuração em seus filmes.

Humor bem particular

Como foi registrado em texto de Sam Stourdzé, curador da exposição Tutto Fellini, que veio ao Brasil em maio de 2012: o primeiro emprego de Fellini, saindo da adolescência, foi o de cartunista de um jornal satírico em Roma. “Em seus primeiros traços, recém-chegado de Rimini, cidadezinha do interior, ele já mostrava figuras que iriam povoar seus filmes anos depois: mulheres grandes, homens pequenos e um humor todo particular. E desenhava mulheres bem fellinianas, como Anita Ekberg (A Doce Vida), e ele nem tinha 20 anos”.

O cineasta colocava anúncios em jornais com o seguinte texto: “Federico Fellini receberá a todos que queiram vê-lo”. E escolhia caricaturas reais. Os figurantes eram remunerado$ pela aparição nos filmes. As caricaturas eram só uma parte da obsessão de Fellini pelo desenho, ao qual dedicava atividade o tempo inteiro – amigos, cenários, storyboards, tudo era alvo de seus traços.

Ainda de Sam Stourdzé:

– Quando não estava filmando, todos os dias, durante a vida inteira, ele trabalhava com desenhos para manter, talvez, sua inspiração funcionando. Mas é mais do que um livro dos sonhos. Ali, podemos encontrar muitas das figuras e atmosferas que depois estariam em seus filmes. Uma ligação direta pode ser feita, por exemplo, com os comerciais que Fellini fez no fim da vida, em 1992, para um banco italiano. Num deles, um senhor de meia idade está almoçando com uma bela garota no campo e num piscar de olhos se vê amarrado numa estrada de ferro, com um trem vindo em sua direção, para, enfim, acordar e contar tudo a seu analista – Fellini era um grande admirador da obra de Carl Jung e da psicanálise.

Do sonho ao paparazzi

– Apesar de sua fascinação por sonhos, o cineasta, descobriu-se, tinha também uma ligação estrita com o mundo real. A ponte do diretor com a imprensa sempre foi clara – o termo paparazzi foi cunhado por ele em A Doce Vida (1960) –, mas ele usava como referência muito do que lia em jornais e revistas. Ele trabalhava com muito cuidado para alterar fatos que aconteceram na vida real e os colocava em seus filmes.

 A Doce Vida é uma prova cabal. Na cena de abertura, um helicóptero aparece carregando uma estátua de Cristo pelos céus de Roma. Pois uma imagem idêntica foi encontrada numa cine-reportagem, daquelas projetadas no cinema, gravada quatro anos antes em Milão – certamente Fellini a havia assistido. A sequência de strip-tease e o próprio banho de Anita Ekberg na Fontana di Trevi também não foram originais, mas baseados em casos similares retratados pelas revistas de celebridades da época.

Os paparazzis no filme La Doce Vita.

Dando um mandrake no Mandrake

– Todo esse processo criativo foi exposto em Tutto Fellini, assim como um farto material de bastidores, a relação intensa do diretor com as mulheres e outras curiosidades. É o caso, por exemplo, de sua fascinação por histórias em quadrinhos: Fellini sempre sonhou em fazer um longa-metragem de Mandrake. Nunca conseguiu, mas vestiu Marcelo Mastroianni como o mágico numa fotonovela para a revista Vogue na década de 1970 e de novo numa passagem de Entrevista (1987).

PS do Plural: sobre paparazzi (ou paparazzo): a palavra se refere ao mosquito que fica em volta da pessoa provocando aborrecimento. E virou sinônimo do fotógrafo insistente que persegue celebridades para tirar fotos – de preferência fotos indiscretas ou comprometedoras.

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