No Dia dos Professores, uma homenagem a Júlia Wanderley

Ela foi a primeira mulher a participar presencialmente do curso normal em Curitiba

Dia 15 de outubro é a data que se celebra e homenageia uma das profissões mais nobres, importantes e, infelizmente, desvalorizadas da sociedade brasileira: o professor / a professora. A coluna deste dia procura prestar uma modesta homenagem a uma dessas professoras que deixou o seu nome marcado para sempre na história da educação paranaense: Júlia Augusta de Souza Wanderley.

Ela, desde jovem, tinha um sonho e queria frequentar a Escola Normal de Curitiba – o magistério da época. Era final do século 19 e apenas os meninos tinham a permissão de frequentar a escola. Júlia Wanderley, então com somente 16 anos, lutou contra a mentalidade patriarcal e desafiou os preconceitos da época. Procurou o então diretor-geral da Instrução Pública, uma espécie de secretário da Educação do período, monsenhor Alberto José Gonçalves e, em janeiro de 1891, solicitou a ele o seu ingresso na Escola Normal.

Como escreve Silvete de Araújo, em dissertação defendida em 2010 na Universidade Federal do Paraná, a escolha foi certeira: “O fato de Julia Wanderley ter recorrido ao Monsenhor Gonçalves foi uma escolha certeira. Membro do governo na área de educação ele também era o diretor da instituição na qual ela pretendia estudar”. Gonçalves intercedeu junto ao governo do estado e autorizou que Júlia frequentasse as aulas.

Em 28 de janeiro de 1891, ela requereu oficialmente a matrícula e no dia 16 de fevereiro iniciou o curso de normalista. Foi neste cenário que Júlia Wanderley, após prestar os exames preparatórios para participar do curso normal, foi aprovada e, a partir de então, “ela irá requerer a matrícula para frequentar o Curso Normal até então frequentado por meninos”.

Foi desta forma que Júlia tornou-se a primeira mulher a participar presencialmente do curso normal na capital do estado e ainda acabou por liderar um movimento de moças para o ingresso no educandário, atraindo outras mulheres para o curso (junto com ela ingressaram: Maria Rosa Gomes, Isabel Guimarães e Cândida Nascimento).

“Julia Wanderley, rememorada no Paraná como a primeira mulher a se matricular na Escola Normal de Curitiba, a primeira a participar presencialmente das aulas junto com os moços. Presencialmente, porque até então as mulheres da capital e do Paraná só podiam prestar os ‘exames vagos’ para conseguir o certificado de professora normalista. Nestes exames as moças eram avaliadas perante uma banca, se conseguissem aprovação nas matérias do curso normal recebiam o diploma. Essas mulheres estudavam em casa, por conta própria ou com preceptores, para depois prestarem os tais exames, pois não lhes era facultada a permissão de frequentar as aulas regularmente junto com os rapazes”, explica a pesquisadora Silvete. Ou seja, até então, as mulheres não podiam frequentar os bancos escolares de um curso de magistério.

Júlia recebeu o diploma de professora normalista em 1892. “Ela organizou uma escola particular poucos meses antes de formar-se professora normalista, em 1892. Nos anos seguintes seria nomeada professora em escolas públicas, mesmo período em que sua escola particular deixaria de funcionar”, escreve Silvete.

Foi também a primeira mulher nomeada pelo Poder Executivo do Paraná para exercer o magistério: “Dona Julia Augusta de Souza Wanderley, comprovadamente, não só a primeira mulher a solicitar matricula na Escola Normal desta capital e a primeira mulher a obter o diploma correspondente, como também a primeira normalista com curricullum completo formada em Curitiba a ser nomeada para o Magistério Público Primário do Estado do Paraná”, escreveu Maria de Lourdes Ferrante em 1974, em material produzido em comemoração ao centenário de nascimento de Julia Wanderley.

Desde 1892, ela ainda escrevia rotineiramente para periódicos de Curitiba, sob o pseudônimo de Augusta de Souza e debatia temas sociais e políticos, defendia a educação universal e lutava pelo fim das injustiças sociais.

Júlia Wanderley, sem dúvidas, teve uma atitude ousada e progressista para a época. A presença de mulheres com homens na mesma escola que formaria professores ainda era uma questão polêmica e controversa no final do século 19. Foi nesse contexto que Júlia Wanderley tornou-se uma pioneira para a época.

O profissionalismo de Júlia fez com que ela ocupasse o cargo de diretora do Grupo Escolar Tiradentes e também fosse nomeada membra efetiva do Conselho Superior do Ensino Primário do Estado. Em 1915, ela foi elevada a professora de 3.ª classe (a mais graduada) dos professores normalistas do Paraná. Três anos mais tarde, morreu em decorrência de um câncer na região pélvica.

Durante os 44 anos em que viveu, Júlia Wanderley construiu um legado que atravessa gerações como uma pioneira na área educacional do estado e da luta pela igualdade de gêneros em todo o Paraná.


Para ir além

PROFESSORA JULIA WANDERLEY, UMA MULHER-MITO (1874 – 1918). Dissertação de Silvete Aparecida Crippa de Araújo. (http://www.ppge.ufpr.br/teses/M10_Silvete%20Aparecida%20Crippa%20de%20Ara%C3%BAjo.pdf)

A ESCOLA NORMAL DE CURITIBA E OPIONEIRISMO DE JULIA WANDERLEY. Artigo de Maria Isabel Moura Nascimento e Nilvan Laurindo Sousa (https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8639879/7442).

Tradicional colégio de Curitiba completa 70 anos. Publicado pelo Governo do Estado (https://www.educacao.pr.gov.br/Noticia/Tradicional-colegio-de-Curitiba-completa-70-anos)

JULIA WANDERLEY, MODELO DAS PROFESSORAS PARANAENSES. Artigo de Silvete Aparecida Crippa de Araújo. (https://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/4449_2744.pdf)

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