Contra todas as adversidades, Edson sobreviveu e conquistou o diploma de Direito

Muitas adaptações precisaram ser realizadas e desconfortos superados

10 de setembro de 1981. Foi neste dia que a vida de Edson Bazam, de 54 anos, passou por uma completa transformação. Aos 13 anos de idade, desmaiou em cima de uma árvore e, por consequência da queda, ficou tetraplégico, sem nenhum movimento do pescoço para baixo.

“Tudo mudou literalmente em um piscar de olhos. A energia que era apenas com brincadeiras, passou a ser gasta com o intuito de sobreviver”, recorda.

Contrariando todas as expectativas dos médicos, que indicavam apenas vinte dias de vida para o adolescente, Edson sobreviveu. Graças ao carinho e aos cuidados que os pais, Arnaldo e Odete, tiveram com ele, superando as adversidades das infecções e pneumonias frequentes.

Mesmo com os novos desafios, a condição nunca foi empecilho para que o jovem vivesse todas as experiências oportunizadas pela vida, inclusive a formação no ensino superior.

Edson faz parte das 50,6 mil pessoas matriculadas no ensino superior declaradas com registro de deficiência, transtorno global do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação, de acordo com Censo da Educação Superior 2019. Este número corresponde a apenas 0,6% do total de matrículas nas universidades. Destes, 16,3 mil são pessoas com deficiência física.

Ainda que com todos os desafios para a locomoção, ele concluiu o curso de Direito em dezembro de 2021, em Curitiba (PR), pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). A formação se concretizou com a entrega do diploma no último dia 16 de abril, na solenidade de colação de grau, que aconteceu na Ópera de Arame da capital paranaense.

“A admiração e o respeito, por parte daqueles que me conhecem e daqueles que ficam sabendo que sou bacharel em Direito, é notório. Sempre ficam de olhos arregalados ao saberem disso. O curso trouxe uma maior e melhor visão de mundo e de como é importante saber nossos direitos”, afirma.

A luta de Edson para sobreviver 

Edson nasceu em uma região rural, no interior do Paraná, próximo à Pérola (PR). Em 1972, o pai, Arnaldo, que era cafeicultor, resolveu dar outro rumo para a vida da família, pois no sítio que possuía em sociedade com o irmão, Getúlio, passava por muitas privações e trabalho pesado. “Arrumou emprego como auxiliar de pedreiro, alugou uma casa humilde e voltou somente para nos buscar”, lembra Edson.

Dois anos depois, Getúlio também seguiu rumo à capital, com a mulher e três filhos, e começou uma nova sociedade com o irmão Arnaldo, agora em uma loja de peças para automóveis. “Com a loja, a vida mudou, construiu casa, comprou carro e passamos a ter a vida digna que ele tanto almejava”, conta.

A vida tranquila conquistada pela família passaria por grandes desafios nos anos seguintes. Para Edson, tudo mudou “em um piscar de olhos”. Foi durante uma brincadeira na escola que sofreu a queda que mudaria completamente o seu modo de viver.

“Em um momento eu estava em cima de uma árvore brincando e, quando abri os olhos novamente, estava caído no chão, sem sentir ou poder movimentar todo o meu corpo. Eu era uma criança normal, saudável e cheio de energia para gastar, nunca havia passado por nenhum internamento hospitalar”, recorda.

Contrariando as previsões médicas que lhe davam poucos dias de vida, Edson sobreviveu. Muitas adaptações precisaram ser realizadas e desconfortos superados. De início, os olhares curiosos das pessoas o incomodavam, já que “estava em uma cadeira de rodas, muito magro”.

O incômodo passou nos anos seguintes, poia em janeiro de 1985, foi para um hospital de reabilitação em Brasília (DF), onde permaneceu internado por três meses. Orientado pelos profissionais, Edson voltou para os estudos na mesma escola em que o acidente havia acontecido.

“Comecei a me reintegrar na sociedade com os passeios e viagens com a família, a fazer novos amigos”, afirma.

Os desafios para a formação superior

Edson finalizou o ensino médio em 1990, mas precisou interromper novamente os estudos. Dois anos antes, a mãe, Odete, faleceu devido a um câncer de mama. A partir deste momento, o pai era a única pessoa que o conduzia para todos os lugares e não dispunha de tempo para o locomover e proporcionar o ensino superior.

“Continuei morando em Curitiba durante todos esses anos que se seguiram. Meus primos começaram a dirigir, saíamos para vários lugares: cinema, restaurante, balada. Conheci muitas pessoas, namorei, trabalhei como auxiliar de escritório e depois com a venda de tintas automotivas e implementos”, lembra.

Em 2009, então, Edson conheceu a mulher que se tornaria sua esposa, Erelisa. Foi por motivação dela que decidiu ingressar para um curso superior. Erelisa é advogada e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), e foi quem o auxiliou na caminhada acadêmica.

Edson explica que, devido ao corpo todo paralisado, não consegue empurrar uma cadeira de rodas ou segurar uma caneta, por isso sempre se fez necessário o auxílio de outra pessoa. A primeira graduação aconteceu em Gestão Pública, na modalidade à distância. As provas, no polo, eram feitas com apoio da professora Cecília Pestana, que assinalava as alternativas que o estudante escolhia.

Logo após a primeira formação, em 2014, Edson prestou vestibular para o curso de Direito, agora na modalidade presencial. A princípio, a esposa o acompanhava todos os dias até a faculdade, mas depois que comprou uma cadeira motorizada, conseguiu se deslocar com maior independência.

Dentro da instituição, o maior desafio era obter a matéria escrita para estudar, pois apesar de todos terem conhecimento da tetraplegia, poucos levavam os materiais adaptados. Para isso, Edson sempre contou com apoio dos colegas de sala.

O trabalho realizado pelo Serviço de Inclusão e Atendimento aos alunos com Necessidades Especiais (SIANEE) da Uninter foi de fundamental importância para garantir o suporte necessário durante os estudos, desde a verificação das condições de acessibilidade física, arquitetônica e de mobiliário do campus onde Edson assistia às aulas.

“Edson realizava suas provas com auxílio de um escriba, colaborador do SIANEE que aplicava as avaliações na sala de apoio do setor. Teve tempo estendido para realização de provas e prazo ampliado para entrega de trabalhos, de acordo com suas necessidades. Na sala do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ), uma mesa foi adequada para o discente, de modo a acomodar a sua cadeira de rodas, e um computador foi totalmente adaptado para utilização do aluno”, explica a coordenadora do SIANEE, professora Leomar Marchesini.

Para a professora, entre os mais importantes suportes para um aluno com tetraplegia, primeiramente vem a atitude inclusiva de professores e colegas da instituição, significando o início do estabelecimento de uma posição mental e emocional favoráveis ao processo de ensino aprendizagem, além de todas as condições de acessibilidade física.

“Uma pessoa que se sente acolhida, aprende mais e melhor”, salienta.

Os cuidados com a saúde

Por um período de um ano e meio, Edson precisou trancar a matrícula do curso, para dar maior atenção à saúde. Desde 2015, ele atua como securitário uma empresa de seguros, no cargo de analista assistente de operações. Por isso, transferiu o curso para o período da noite, e participar das aulas passou a ser mais cansativo.

“O meu dia começava às 5h30 da manhã e só se encerrava às 23h. Trabalhando durante o dia e mais a faculdade no período noturno, eu já não tinha mais tempo para tomar os cuidados básicos para a saúde de uma pessoa com deficiência física motora. A fisioterapia é o principal deles. Tive que trancar o curso, procurar um fisioterapeuta que atendia em casa e realizar alguns exames que estavam pendentes”, conta.

Mesmo assim, Edson não desistiu da graduação e retornou para finalizar o curso. Dos bons momentos, um dos que mais marcaram foi a visita que os professores programaram para o Superior Tribunal Federal (STF), em 2017. Edson foi um dos sorteados. Ele lembra da companhia dos professores Rodrigo Monteiro, Hugo Sirena e Tatiana Lauand, além dos diversos alunos da área do Direito.

Mas os anos finais também foram marcados por períodos delicados. Em julho de 2020, já na reta final, Edson foi acometido por um problema pulmonar, causado por uma infecção generalizada, que o deixou internado na unidade de terapia intensiva (UTI) por 40 dias.

“Os médicos tiveram que fazer uma traqueostomia para salvar a minha vida. Após retornar para minha casa, permaneci em internamento domiciliar, usando aparelho de respiração e traqueostomia”, lembra.

A solicitação de tratamento especial foi prontamente atendida pela coordenação do curso de Direito. Assim que voltou a ficar sentado na cadeira de rodas, Edson retomou os estudos, que finalizou ainda em internamento domiciliar.

De olho no futuro

Para Edson, as graduações significaram melhores oportunidades de trabalho.

“Antes da minha primeira graduação, as propostas de emprego eram de baixa remuneração e em funções que não me permitiam trabalhar, pois basicamente se resumiam a trabalhos manuais. Logo após a graduação, as propostas foram muito melhores financeiramente e em serviços administrativos”, afirma.

Atualmente, o profissional retomou as atividades do trabalho, por enquanto em home office. E após o expediente, auxilia a esposa nos assuntos pertinentes à área de Direito, no escritório de advocacia que possuem, o Vieira Bazan Advocacia.

“Estou naquela fase que pode ser considerada como estágio. Faço serviços mais burocráticos e atuo nos assuntos relacionados ao financeiro do escritório. Atuo também na discussão dos casos e o melhor caminho a ser tomado nos processos de nossos clientes. Ainda continuo aprendendo muito, mas agora é no dia a dia da prática jurídica e colocando em prática tudo que aprendi com os professores na Uninter”, conclui.

Agora, Edson está matriculado na pós-graduação de Direito da Pessoa com Deficiência, com previsão de início para julho de 2022. O profissional almeja “prestar a prova da OAB assim que possível e atuar na área do Direito da Pessoa com Deficiência e Previdenciário”.

Orientadora: Larissa Drabeski (jornalista e professora)

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