O “caixa 2 eleitoral” no projeto de novo Código Eleitoral

Nova proposta desvincula o crime de “caixa 2 eleitoral” da necessidade de omissão ou falsidade na prestação de contas, preocupando-se com as formas de doação, recebimento e utilização dos recursos

Na última semana, um assunto recebeu destaque junto aos noticiários: a apresentação do projeto de um novo Código Eleitoral, para substituir o atual que data de 1965. O texto contém 900 artigos e concentra em um único documento legal temas relevantíssimos para a manutenção da democracia do país, que hoje são tratados em leis separadas ou em resoluções emanadas pela Justiça Eleitoral. Além disto, estabelece os crimes eleitorais e traz uma nova disciplina para o crime de “caixa 2 eleitoral”, especialmente em decorrência de discursos falaciosos de que a atual legislação não criminaliza a contabilização paralela em campanhas eleitorais.

É verdade que o atual Código Eleitoral não possui um crime denominado “caixa 2 eleitoral”, mas isso não significa que a conduta seja permitida ou autorizada. Não declarar doação recebida, declarar valor menor do que o efetivamente recebido, não declarar gastos realizados na campanha ou registrá-los a menor, por exemplo, são condutas proibidas e podem configurar crime de falsidade para fins eleitorais.

Inclusive, uma breve pesquisa de jurisprudência na Justiça Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal afasta qualquer dúvida de que não há a criminalização do “caixa 2 eleitoral” no país, pois são encontrados diversos processos – leia-se também condenações – pela não declaração de doações recebidas, declaração apenas parcial de doações, declaração de doações que jamais existiram ou até inexatidão quanto ao real doador para a campanha eleitoral. Portanto, as alterações trazidas pelo projeto de novo Código Eleitoral não vêm para criminalizar algo que era lícito ou carente de legislação, uma vez que as condutas já são proibidas e continuarão a ser, inclusive com um aumento da pena mínima de um para dois anos. Tampouco o projeto vem para anistiar o “caixa 2 eleitoral” de campanhas eleitorais anteriores, como muito se tem propagado, pois a conduta hoje é ilícita e continuará sendo ilícita, mas com uma nova redação. Inclusive para afastar qualquer dúvida sobre a anistia, o projeto do novo Código estabelece textualmente que as ações penais já ajuizadas pelo crime de falsidade na prestação de contas continuarão a ser reguladas pela lei da época dos fatos, ou seja, o atual Código Eleitoral.

Importante destacar que a prestação de contas eleitoral é o documento oficial do movimento financeiro da campanha eleitoral, o registro contábil das receitas, despesas, saldos e dívidas. É procedimento obrigatório a todos os candidatos, eleitos ou não. Inclusive, a prestação de contas eleitoral tem regramento legal próprio justamente para que as transações financeiras da campanha sejam documentadas e registradas de maneira fidedigna, possibilitando o controle da Justiça Eleitoral sobre a origem dos recursos, o uso dos valores recebidos de fundo eleitoral, a observância do limite de gastos, listagem de doadores e prestadores de serviços e até pendência de dívidas, dentre outras questões.

Hoje, para que o crime se configure, é necessário que haja uma omissão ou falsidade na declaração das receitas e despesas da campanha na prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral. A redação proposta para o novo Código Eleitoral desvincula o crime de “caixa 2 eleitoral” da necessidade de omissão ou falsidade na prestação de contas, preocupando-se com as formas de doação, recebimento e utilização dos recursos. Com isto, torna o crime mais amplo porque estabelece como ilícito os atos de “doar, receber, ter em depósito ou utilizar, de qualquer modo, nas campanhas eleitorais ou para fins de campanha eleitoral, recursos financeiros fora das hipóteses da legislação eleitoral”.

Algumas questões surgem para debatermos. A lei continuará proibindo doação de pessoa jurídica, assim, se houver, pode sujeitar o candidato e o empresário à sanção criminal, pois é justamente “doar, receber” “recursos financeiros fora das hipóteses da legislação eleitoral”. No entanto, também pode sujeitar as pessoas físicas que doem acima dos limites estabelecidos pela lei (baseado nos rendimentos do ano anterior ao pleito) ou as pessoas físicas e jurídicas que são fontes vedadas (proibidas de doar), condutas que hoje não são crimes e têm sanção apenas no âmbito eleitoral.  

O projeto do novo Código tende a ser discutido e votado nos próximos meses e a redação do crime de “caixa 2 eleitoral” pode sofrer alterações, até porque é um dos pontos de grande debate legislativo nos últimos anos, com inúmeros projetos diferentes tramitando no Congresso Nacional. Mesmo com possibilidade de alteração de redação, dois pontos devem ser destacados: não há qualquer sinalização de descriminalização do “caixa 2 eleitoral” ou de anistia para as condutas praticadas nas campanhas eleitorais anteriores.

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