Uma abordagem da depressão a partir do corpo

Como a Terapia Corporal vê, sente, interpreta e auxilia pacientes depressivos, segundo o livro O Corpo em Depressão, de Alexander Lowen

O livro O Corpo em Depressão: as Bases Biológicas da Fé e da Realidade, de Alexander Lowen, criador da Bioenergética, nos apresenta a desconexão com o corpo e com a realidade, a falta de fluxo energético e da própria energia no corpo, o bloqueio da expressividade das emoções e a falta de fé, não necessariamente religiosa, como algumas das principais origens da depressão no indivíduo.

Todo esse panorama, expandido no primeiro capítulo da obra, é desdobrado nos capítulos seguintes, com exemplos clínicos e possíveis abordagens de cada um deles, sobretudo no que diz respeito a técnicas de aterramento, respiratórias e de expressividade das emoções.

Já de início, ele diferencia o estado de tristeza ou desânimo da depressão propriamente dita, com a metáfora do violino que, se bem afinado, pode tocar melodias tristes e alegres. O deprimido é o violino cujas cordas estão por demais frouxas ou mesmo ausentes e está em tal estado que só é capaz de produzir cacofonias ou mesmo som nenhum: como se estivesse morto, desprovido da potencialidade da energia sonora.

Alexander Lowen. Foto: reprodução.

Essa falta de energia caracteriza a importância de trabalhar todas as estruturas ligadas à respiração, no sentido de desbloquear a circulação da bioenergia pelo corpo e dar os recursos necessários para superar o estado depressivo.

Trabalhar com um paciente depressivo sem trabalhar seus recursos energéticos, nesse caso, é o mesmo que tentar tecer um tecido, sem no entanto, ter o fio para executar tal tarefa.

Lowen destaca em todos os casos apresentados em seu livro a irrealidade presente nas atitudes e comportamentos das pessoas atingidas pela depressão. Essa irrealidade está ligada a uma perda ou trauma da infância, não poucas vezes inconsciente, mas quase sempre detectável nas palavras, nos gestos e no comportamento.

A esperança do paciente em anular a experiência negativa passada se projeta no futuro. E, mais do que no futuro, em algo que está fora da pessoa, “fora de si”. Desamparo se projeta em poder e controle, por exemplo. Porém, essa projeção é irreal e inatingível. E, mesmo que fosse atingível, não daria conta de suprir uma ferida que já está no passado.

O autor chega a citar o personagem fictício Walter Mitty, de James Thurber, do conto A Vida Secreta de Walter Mitty (1947), transformado em filme em 2014, com Ben Stiller no papel título: um sujeito tímido e inexpressivo que, descontente com sua própria vida, sonha histórias em que é piloto de guerra, cirurgião, assassino e outros.

O escritor observa que o grau de irrealidade da pessoa deprimida se manifesta claramente pelo nível em que está em contato com o seu próprio corpo. Nota-se uma falta de autopercepção dado que ela não se vê como realmente é. Desconhece suas tensões e rigidez limitantes, sua imobilidade e sua respiração superficial. A vida do corpo, que é a vida real, a vida no agora, é irrelevante. O que conta é a vida no “promissor” amanhã, que nunca chega ou que, se chega, é insatisfatório, pois as motivações não partem de si mesmo, mas de algo que está fora do paciente, física e cronologicamente.

Em última instância, para Lowen, essas irrealidades perseguidas estão ligadas à busca de amor. Primeiro, o amor dos pais e, uma vez que esse não foi recebido por qualquer razão ou chegou ao paciente de forma distorcida, essa necessidade, no agora, é transferida para os outros.

Ben Stiller em cena do filme A Vida Secreta de Walter Mitty. Foto: divulgação.

Ele nos diz: “Sentir-se amado é importante principalmente no que diz respeito a facilitar a expressão ativa de nosso próprio amor. As pessoas não ficam deprimidas quando são amadas. Através do amor, a gente se expressa e afirma nosso ser e identidade”. Ora, se esse amor está num irreal amanhã, é esperado que a pessoa fique deprimida no hoje e sua capacidade de expressão esmaeça.

Bloqueada, a auto-expressão faz com que o self – fenômeno definido pelo autor como fundamentalmente corporal – atrofie. Daí a importância que Lowen dá a fornecer à pessoa deprimida recursos para expressar emoções como raiva e tristeza – através do choro sentido e da agitação agressiva -, o que acaba por ajudar na melhora em seu estado. Mas, mais uma vez, isso só é possível se já houver uma pré-estrutura energética. Outro ponto apontado pelo autor é a necessidade básica de liberdade, não política, mas aquela que deixa de ser manifestada através dos “devo” e “não devo” inconscientes e nos consequentes bloqueios físicos do paciente deprimido.

Finalmente, Lowen nos fala de fé, sobretudo onde se coloca a fé. A pessoa deprimida coloca sua fé fora de si mesma: em outras pessoas, objetos, crenças, sistemas, causas, atividades. E, assim, se posiciona adequada apenas para constantes desapontamentos. Embora ter fé em uma causa possa ser positivo em um primeiro momento, isto, no caso do deprimido, está fora dele, isto é, não está partindo do centro seu ser, não lhe é autêntico. “A pessoa com orientação interna age e faz coisas para a satisfação de si mesma”, diz Lowen. Note-se como um mesmo comportamento, uma mesma atividade, um mesmo gesto podem ter tanto uma como outra motivação, a que parte de si e a que parte de fora.

Ao mesmo tempo, Lowen nos apresenta a fé não como algo que se sente mas como algo derivado do próprio sentir e da autêntica variabilidade emocional de um organismo plenamente vivo e energizado: quanto mais se sente, quanto mais variado e vivaz é o sentir, mais forte é a fé.  Agir movido autenticamente por um sentimento ou emoção forte é agir com fé: fé na validade do sentimento, fé em si (e não em algo “fora de si”). O deprimido não tem fé pois suprimiu as emoções, por bloqueá-las, por simplesmente não ter a energia para expressá-las, por colocá-las em algum lugar e em algum tempo para além de si.

O Corpo em Depressão: as Bases Biológicas da Fé e da Realidade. Editora Summus. 224 páginas. 1984.

Lowen, finalmente, defende que o indivíduo, através da terapia, deve ser auxiliado a se assentar sobre os próprios pés de modo a se tornar alguém orientado por seu interior.

O livro, por fim, apresenta todos esses tópicos do ponto de vista energético, físico, emocional, através de casos clínicos diversos, possíveis abordagens terapêuticas analíticas e através de exercícios da bioenergética para se atingir tais objetivos, sendo que todos os demais capítulos são um desdobramento bem estruturado do primeiro, expondo em detalhe, com muitos exemplos práticos, o que cada um dos itens acima listados implica para o deprimido, como se manifestam no corpo e como tratá-los.

Embora a bioenergética não tenha uma sistematização detalhada no que diz respeito à prática clínica – diferentemente da Vegetoterapia, sistematizada por Federico Navarro -, o pensamento e os fundamentos dessa abordagem aparecem claros e, sim, sistematizados no que diz respeito à depressão nessa obra, fornecendo parâmetros para o atendimento a cada caso particular.

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

O (des)encontro com Têmis

Têmis gostaria de ir ao encontro de Maria, uma jovem vítima de violência doméstica, mas o Brasil foi o grande responsável pelo desencontro

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima