A Justiça Eleitoral e o julgamento de crimes complexos

É fácil notar que o entendimento do STF de 2019 não foi dirigido para acabar com as investigações atuais de corrupção no país ou com a Operação Lava Jato

A discussão sobre qual é o juiz competente para julgamento dos crimes eleitorais e relacionados aumentou nos últimos tempos porque muitos acusados colaboradores da Justiça mencionaram pagamento de valores para campanhas eleitorais sem a devida contabilização, o que, pelo menos em tese, configura crime de caixa 2 eleitoral; ou porque relataram que pagamentos indevidos a terceiros, que podem configurar corrupção, foram feitos por meio de doações eleitorais contabilizadas ou não.

Em 2019, o STF decidiu que “compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos”. Com isto, vários casos que tramitavam na Justiça Federal foram remetidos para a Justiça Eleitoral para continuidade das investigações ou do julgamento. Muitas críticas emergiram, especialmente no sentido de que a decisão acabaria com as investigações de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no país, o que não se sustenta.

Em primeiro lugar, a decisão acima referida apenas confirmou entendimento predominante na Corte há anos, inclusive muito antes do início da Operação Lava Jato. Uma breve pesquisa naquele tribunal indica que, em 1956 (há mais de 60 anos), o Plenário considerou que a Justiça Eleitoral não poderia julgar um crime de desobediência porque não havia relação com um crime eleitoral. Da mesma forma na década de 1990, quando tratava de falsificação de título praticados por funcionário público federal contra bens da Justiça Eleitoral. A atribuição da Justiça Eleitoral não foi reconhecida justamente pela ausência de descrição de conduta considerada como crime eleitoral ou de relação com qualquer crime eleitoral.

Em 1996, o STF reconheceu que a narrativa feita na denúncia tinha uma motivação eleitoral evidente, já que a acusação era de emissão de notas fiscais e faturas em nome de empresas diversas, sem execução de serviços, com o recebimento de valores para destinar à campanha eleitoral de terceiro. Então anulou a ação penal e encaminhou para a Justiça Eleitoral para as medidas que entendesse cabíveis.

É fácil notar que o entendimento do STF de 2019 não foi dirigido para acabar com as investigações atuais de corrupção no país ou com a Operação Lava Jato.

Em segundo lugar, é preciso também reafirmar a importância, competência e capilaridade da Justiça Eleitoral no país, pois analisa e julga – em tempo recorde – uma infinidade de pedidos de registro de candidaturas no país inteiro, além das ações de investigação judiciais eleitorais para apurar o uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social em benefício de candidato ou de partido político. E não só. Também trata das ações de impugnação de mandato eletivo para obstar quem venceu o pleito por meio de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude. Tais ações, apesar de não criminais, apuram fatos graves, são complexas e podem ensejar sanções que podem gerar inelegibilidade, cuja gravidade para o candidato é indiscutível.

Por fim, mas não menos importante, deve-se destacar que há disciplina legal que determina que as investigações relativas aos crimes eleitorais sejam realizadas pela Polícia Federal. Neste ponto, se comparado à Operação Lava Jato, nenhuma diferença, uma vez que as investigações federais também foram (e são) conduzidas pela mesma polícia.

Todo este contexto rechaça os argumentos contrários à atribuição da Justiça Eleitoral para análise de crimes complexos. O movimento social e jurídico para que a lei seja cumprida por todos deve abranger também as regras que estabelecem qual o juiz ou justiça deve julgar determinados assuntos, sob pena de ilegalidade e posterior anulação de tudo, justamente o resultado oposto do objetivo inicial de apuração e eventual punição das condutas ilícitas.


A coluna entra em recesso e será retomada em 31 de janeiro.

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