Postei e saí correndo

No mundo BANI as demandas são informadas, as produções são entregues, mas ninguém está mais disposto a dar sequência e refletir sobre o que foi criado

Quem está conectado às redes já deve conhecer um famoso jargão muito utilizado em postagens. Tá na moda já faz algum tempo emitir opiniões, críticas e usar a frase: “Postei e saí correndo”.

Foi um jeito “engraçadinho” que a sociedade virtual encontrou de falar algumas “verdades”, sem criar tanta responsabilidade com seu conteúdo.

Porém, o meme encarnou em atitudes que vão muito além de uma opinião emitida nas redes sociais. O “postei e saí correndo” parece ter sido incorporado nas nossas atitudes.

A produção de conteúdo passou de profissão para quase uma obrigação dos seres humanos engajados nas redes sociais. Mas nem todos estão preparados para as consequências de suas produções. Muitos de nós queremos opinar, mas nem sempre conseguimos sustentar o que comunicamos. Não damos suporte para quem está ali “se informando” pelo conteúdo divulgado.

O que mais se vê nas redes é uma necessidade absurda de criar conteúdo, mas sem aguardar os efeitos disso. O que eu, Silvia, percebo, é uma agenda eletrônica aberta, em que jogamos pedidos pelo WhatsApp, jogamos informações nas redes sociais e, depois disto… desaparecemos!

Está fácil dizer o que se deve ou o que não se deve fazer, mas quase sempre sem qualquer fonte que ampare essas opiniões.

Não sou especialista em futurismo, saúde ou novas tecnologias, mas se tem algo incontestável é que muito do que estamos vivenciando é a realidade do mundo BANI. Explico!

Após passarmos pelo mundo VUCA (Volatile, Uncertain, Complex and Ambiguous), um acrônimo que, traduzido, traz os termos Volátil, Incerto, Complexo e Ambíguo entramos no que é chamado de mundo BANI (Brittle, Anxious, Nonlinear and Incomprehensible), que significa Frágil, Ansioso, Não linear e Incompreensível. O termo foi cunhado em 2020 pelo antropólogo e futurista norte-americano Jamais Cascio, justamente por conta do colapso que a COVID-19 causou. E já imagino que faça sentido pra você, certo?

Se já estávamos numa era incerta e complexa, imagine agora! Além de estarmos em uma sociedade ansiosa, ela também está incompreensível, um rótulo bastante compatível com a realidade.

Jogamos perguntas no ar, mas estamos dispostos a também respondê-las?

Eu tenho feito uma limpeza significativa nas minhas redes sociais. Perfis que eu seguia e que não interagem comigo, que não me dão respostas, que somente jogam conteúdos sem explicar o porquê aquilo está ali, estão dia a dia sendo excluídos. Mas confesso que muitos ficam para um estudo de caso particular.

Recebemos ou nos deparamos diariamente com informações falsas, contraditórias, carregadas de preconceito e repassamos tudo isso sem fazer uma análise do que aquilo pode causar com a justificativa de que “ninguém paga meus boletos”.

Dia desses ironizei em um vídeo nas minhas redes sociais que o segredo do sucesso é ter uma profissão com nomes internacionais e que ninguém compreenda o que é. Rimos, mas de nervoso, porque a realidade é essa mesma. Não estamos entendendo nada e precisamos de tradutores para nos explicar o que está acontecendo ou, então, ficamos para trás.

O resultado dessa sobrecarga de informações enigmáticas no universo tecnológico nos coloca em uma ansiedade sem precedentes. O importante não é refletir, não é corrigir nossos textos antes de divulgá-los, não é pesquisar antes de afirmar. O importante, neste mundo BANI, é velocidade.

E você quer a bomba? Lá vai: Já somos, desde 2017, o país mais ansioso do mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

E o que há de mal na ansiedade diagnosticada não são somente as atitudes que nos fazem querer correr contra o tempo e pensar somente no futuro, sem viver o agora. Além de prejudicar o raciocínio, a criatividade e a produtividade, a ansiedade pode nos levar à depressão. E quem vai pagar a conta disso tudo não são os desenvolvedores da internet.

Nos jogaram em um universo em que não fomos treinados para estar. Não é só replicar Humberto Eco e dizer que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis. É preciso saber revisitar na raiz a causa de sermos assim tão imbecis!

Ninguém pensou em aplicar uma educação que ensine empatia, comunicação não violenta e, especialmente, autoconhecimento antes de nos darem acesso à internet. E precisamos urgentemente replicar esse entendimento antes da 4ª guerra mundial.

Sim, a quarta. Pois a terceira já se deu quando nos isentamos de responsabilidade com o que falamos e ela também é chamada de “Postei e saí correndo”.

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