Sobre as redes e os nós

Minha rede não é formada por nylon, elásticos e nós, mas ​por​ pessoas

Uma das coisas que aprendi, ao longo destes 21 anos de convivência com a depressão, foi a importância de criar a minha rede de apoio. De ter a minha rede de segurança, muito parecida com aquela dos ​trapezistas​ de circo. Os trapezistas treinam muito para não precisar da rede e não desapontar o público. Mas, caso algum desequilíbrio aconteça, ela está ali.

Bem, a minha rede não é formada por nylon, elásticos e nós, mas ​por​ pessoas.

Lá nos meus longínquos, mas não saudosos, 18 anos, eu contava fundamentalmente com os meus pais e com minha tia (há um texto todo dessa série dedicado a ela cujo título é “por favor, se trate”). O tempo passou, a grande perda da minha vida aconteceu, com o falecimento da minha mãe, e a minha rede foi se moldando. Hoje ela ainda é formada por poucas pessoas, apenas aquelas que me conhecem muito bem, que acompanharam de perto os meus episódios de vale mais profundos e, por isso, sabem que se eu gritar, por qualquer motivo, é por que a coisa está pegando de verdade. Fui, sou e serei eternamente grata a cada um por ter me sustentado. Cada um à sua maneira. Ainda hoje, os contatos de emergência de todos estão anotados na porta da geladeira, no meu celular e na minha agenda. Vai ​quê​?

Mas hoje, uma das melhores coisas é perceber​ que estou usando cada vez menos a minha rede de apoio. Que estou deixando ela tranquila, quietinha. Que as notícias que partem do lado de cá são mais positivas do que negativas. ​Que tenho mais a agradecer do que pedir.​ E isso se deve​ muito ao que aprendi no tratamento médico e psicológico: a como criar hábitos e manter atitudes que me propiciassem essa autonomia em relação à minha rede.

[E aqui faço uma pausa, talvez bastante dramática, mas necessária: escrever tudo isso hoje parece fácil​, m​as houve um período muito triste e duradouro, no qual eu tive certeza absoluta de que eu nunca mais seria uma pessoa com capacidade de gerir minha própria vida. Duvidei que seria capaz de​ voltar a morar sozinha, de dirigir, de trabalhar, de pagar uma conta ou sequer sair de casa. Eu conseguia me ver enclausurada em um quarto escuro, precisando de alguém que pensasse e agisse por mim o tempo todo, como um paciente que sofre sequelas sérias de uma doença física. Ufa! Ainda bem que as certezas absolutas da “inconveniente” não passam de mentiras.]

Voltando aos meus hábitos e atitudes​, ​sobre esses eu falo a cada consulta com meu médico. Passamos um bom tempo da sessão destrinchando sobre como eu tenho manejado a minha vida. Trabalho, relacionamento, família, momentos de lazer, atividade física, meus hobbies, meus planos e anseios. E meu médico é sempre muito enfático ao dizer que eu – como alguém que já passou por um período extremamente crítico da depressão – preciso estar de olho em todos esses aspectos, e em mais um: os meus pensamentos. Em muitos momentos de calmaria, em que tudo parecia estar bem na superfície, algum pensamento ruim começava a surgir. E quando escrevo “pensamento ruim”, ​não​ me refiro ​às nossas preocupações cotidianas, mas a sentimentos realmente negativos​. E, se eles surgiam, é porque na verdade alguma coisa não estava legal. Tinha um nó em algum lugar. Então essa atitude vigilante e alerta é uma constante na minha vida. Volte e meia eu faço meu próprio ​check-up​. Dou uma sondada para sentir como estão as coisas. Se percebo que tudo está ok, excelente. Se algo enrosca, volto algumas casas e refaço o caminho. Tento entender de onde vem aquilo. Faço minhas anotações no papel. Se o nó começa a parecer demasiadamente apertado, falo com meu médico, ligo para a minha tia (eita, tia, eu não te largo mesmo) e vamos juntos desatando, antes que vire um nó cego.

Não​ é a toa que eu tenho uma imagem da Nossa Senhora Desatadora dos Nós ao lado do meu computador. Conto com minha rede e comigo mesma. Mas, se a Santa quiser e puder me ajudar nos momentos difíceis, eu também agradeço. Amém!

Especialmente dedicado a: pai, tia, Jo, Ba, Lu e Dan. 

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