Caminhos diferentes

Quando a vida de repórter te ensina que, de repente, tudo pode mudar. E, ao contrário das notícias diárias, às vezes muda até pra melhor!

Tenho feito observar, observar e observar, buscando fios de meadas que expliquem uma vida. A minha. E, incrível, o paralelo, as semelhanças e as respostas que encontro justamente na profissão, o jornalismo. Então aqui vai mais um episódio de repórter que, admito há tempos, tanto reflete quanto molda muito de quem sou.

Talhada em redações de jornais diários, com fartura de temas cíclicos que nascem, crescem, se desenvolvem e morrem às vezes em um período médio de 8 horas do dia – entre o acontecido, a apuração, a escrita e a publicação impressa em papel -, fui “aprender” ao trabalhar em revista semanal o que de fato pode interessar ao leitor mais atento dos finais de semana, que ainda lhe pareça esclarecedor, com informação carregada de frescor.

Repórter da sucursal da revista Veja, em Curitiba, anos 2000, aprendi ali a “coar” no filtro da apuração semanal centenas de micro ou macro notícias do dia a dia que, muitas vezes, em jornais nos tiravam o fôlego, tamanha a sequência de pautas a desenvolver e entregar num só dia. Da profusão de temas locais, municipais e regionais priorizados nos jornais, passei a descartar do radar todo e qualquer tema, notícia, assunto ou repercussão que não se enquadrasse na régua semanal: muito curioso, impactante, altamente comovente ou retrato explícito das mazelas glocais.

Em dois momentos, esse pente fino quase sensorial me fez perceber como a vida pode mudar em segundos e traçar caminhos inimagináveis. E ainda te surpreender, pra melhor, com prazer. Bem, o primeiro deles: estava eu acompanhando no meio de semana o clima tenso de conflitos entre policiais e sem-terra, em fazenda ocupada no interior do Paraná. Dava-se como iminente o choque com risco de derramamento de sangue durante a desmontagem de barracos de lona e retomada de posse do lugar.

Acreditando que a única decisão a tomar era estar pronta para me deslocar para a região do conflito e passar alguns dias de atuação in loco – com pouca infraestrutura, em acampamento, barraca e alimentação irregular, que me permitisse estar frente a frente com o temido conflito -, reporto a situação ao editor em São Paulo e ouço dele o esperado: “aguarde uns minutos que já te retorno com uma decisão”. Ok, alguns 40 a 60 minutos depois recebo o retorno: “Liége, prepare uma pequena mala e passe três dias no Costão do Santinho (Florianópolis /SC)”.

Alguém pode imaginar minha reação?!…. aquele emoji “O Grito” ainda não existia na época rsrsr.

A orientação era cirúrgica: identificar todos os itens possíveis de se avaliar naquele que se tornara um dos melhores resorts do país, por sua beleza, localização, conforto, comodidade e alimentação, de frente para um mar esmeralda, areia fina e sol na medida. A precisão cirúrgica devia incluir avaliar desde um fio de cabelo esquecido atrás da porta do banheiro na limpeza diária do quarto, o tamanho e a maciez de toalhas, lençóis e fronhas dos apartamentos, a temperatura da água das piscinas adulta e infantil, até o ponto de cozimento de camarões servidos na principal refeição do local. Enfim, eu devia testar e provar literalmente tudo isso!

Sempre profissional e responsável, nunca recusei uma pauta. Esta também não. Só fiz perguntar ao editor: e como fazemos para cobrir o iminente conflito agrário no interior? “Seguiremos acompanhando daqui (SP) e, dependendo dos fatos, apuramos e publicamos o que houver”. Ok, lá fui então executar a missão dada, com lupa e olhos de águia para a edição da revista que preparava o leitor para as maravilhas de se hospedar com requinte ao Sul do país. Justifica-se: era pré-Verão, e a revista também se dedicava à prestação de serviços úteis ao leitor.

Em tempo: 1) o sangrento conflito agrário anunciado não se confirmou e nem sequer entrou na agenda da semana da revista…. 2) nos três dias que passei no resort não encontrei um fio de cabelo sequer… Não sabia, mas justo nesses dias, o local passava por teste de observação para sediar encontro de chefes de estado dos países do Mercosul. Lá já se encontrava um séquito de ‘fiscais’ federais, vindos de ministérios, incluindo Itamaraty, milimetrando a qualidade e segurança dos serviços que atestassem estar o resort à altura de tão estratégica reunião. À época, passou com louvor na inspeção.
O segundo episódio foi diferente e me levou à única e mais completa expedição que já fiz ao Pantanal, no Mato Grosso do Sul. Mas este fica para uma próxima “viagem” por aqui.
O fio da meada que a observação dos caminhos pessoais e profissionais me levou a tecer foi: você pode estar ou não preparada para grandes mudanças de rota. Sempre haverá surpresas. Boas ou ruins. Só se sabe indo lá conferir! E eu confesso, me fascinam os caminhos diferentes.

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