Por que Amália Tortato se incomodou tanto com o Plural?

O incômodo de Amália Tortato e seu ataque ao Plural, é que ele foi o único a assumir uma posição clara ao dizer que ela e os demais vereadores movem contra Renato Freitas uma perseguição política vergonhosa, mas que é, ao mesmo tempo, a síntese de nossas elites brancas, bem nascidas e embriagadas do ódio racial e de classe

Desde que assumiu uma vaga na Câmara de Vereadores, Amália Tortato só apareceu na Gazeta do Povo quando citada em matérias de seus jornalistas. Não há a assinatura dela em nenhum artigo, ela nunca foi convidada a manter no jornal uma coluna ou assinar um artigo de opinião.

Diferente do Plural, onde a vereadora do NOVO é uma das titulares da coluna “PolíticAS”, uma das muitas iniciativas desse jornal para garantir a pluralidade na circulação de ideias e no debate público local.

Ainda assim, Tortato usou seu espaço na semana passada para elogiar a Gazeta e atacar o Plural. Nada a estranhar no primeiro caso. O NOVO aderiu a Bolsonaro já no segundo turno de 2018 e, desde então, vem desempenhando bem o papel de face civilizada do fascismo genocida, espécie de bolsonarismo de sapatênis.

Na Câmara dos Deputados, inclusive, seus parlamentares se notabilizaram, nesses três anos, por serem muitas vezes mais bolsonaristas que a base aliada oficial do governo. Dizem que o propósito é defender a “agenda liberal”, mas quem conhece, por exemplo, a atuação de um Marcel Von Hattem, sabe que é bem mais que isso.

Nada a estranhar, portanto, os afagos da vereadora ao panfleto bolsonarista que transformou a agenda da extrema-direita brasileira em política editorial.

O ataque ao Plural pode soar um pouco mais estranho. Tortato escreve aqui desde março de 2021. E sempre gozou de ampla liberdade para, inclusive, defender pontos de vista que contradizem os do jornal, como a regulamentação da educação domiciliar e a crítica às cotas raciais.

É verdade que seu texto oscila entre acusar o jornal de covarde e de dissimular suas posições e de “defender as pautas de esquerda” – ou seja, a própria vereadora parece não ter uma posição clara sobre o tema.

Mas, ao final, recomenda aos leitores buscar um “portal mais sério” se quiser NOTÍCIA, assim mesmo, com caixa alta, mas continuar consumindo o Plural se quiser “entretenimento”. Não fosse o NOVO um dos principais responsáveis por sustentar, no governo, uma quadrilha de milicianos que está a destruir o país, eu também acharia as posições do partido uma piada.

Mas vejam, é uma vereadora da legenda quem a rebaixa ao assumir que há mais de um ano usa um portal, segundo ela, de entretenimento, para defender suas ideias e, por extensão, o programa e a ideologia do seu partido.

Mas o que incomodou tanto Amália Tortato para, depois de mais de um ano, ela atacar o espaço que a convidou e abrigou seus textos? A resposta não poderia ser mais óbvia. A vereadora se sentiu incomodada pela cobertura que o portal vem dando ao processo político movido pela Câmara de Vereadores contra Renato Freitas.

Mais particularmente, ela se sentiu constrangida por ter sido acusada, junto de seus pares, de racista, já que é o racismo uma das principais motivações dos edis para levar adiante a cassação de Renato. E Tortato tem uma razão a mais para se sentir particularmente irritada com a posição do Plural.

Ódio e conflito de classes

Como Corregedora da CMC, é ela quem assina o parecer que acolheu as representações contra Renato Freitas, reconhecendo que o vereador quebrou o decoro parlamentar por perturbação da prática de culto religioso, entrada não autorizada de manifestantes na igreja e a realização de ato político no interior do templo.

O parecer contradiz não apenas as imagens da manifestação, mas a carta da Arquidiocese que, depois de se posicionar duramente contra o parlamentar, recuou, e chegou a solicitar uma punição mais branda ao petista.

A manifestação não interrompeu o culto religioso, que já estava encerrado. Não houve “invasão”, mas a continuidade e encerramento de uma manifestação que denunciava a violência contra a população preta, na semana em que mais um homem negro, o congolês Moïse Kabagambe, havia sido brutalmente assassinado.

O parecer assinado por Tortato, portanto, é um engodo, feito para legitimar um processo repleto de mentiras e irregularidades, e que tem como único objetivo silenciar uma das poucas vozes destoantes na CMC.

Uma Câmara constituída, majoritariamente, por gente alinhada com e a serviço dos poderosos, que agem como se a cidade lhes pertencesse: o prefeito, os grandes empresários, as igrejas e seus pastores trambiqueiros que, como denunciou da tribuna o próprio Renato, lucram com a fé e a miséria alheias.

E que acena, pensando na reeleição, para o voto de eleitores reacionários, perturbados com a presença de negros orgulhosos da sua cor legislando a favor de outros negros, da população pobre e da periferia. Gente que já ameaçou de morte Carol Dartora, também negra, e que agora comemora a possível cassação de Renato, enquanto silencia conivente, com vereadores acusados de agressão, abusos e ameaças contra mulheres, que cometem plágio, que descumprem medidas sanitárias, que promovem rachadinhas.

Mas pode tudo se o vereador ou a vereadora tiver a pele alva e pertencer à classe social certa. Porque, como disse Rogério Galindo em sua coluna do dia 11 de maio, o “erro” de Renato Freitas não foi apenas nascer negro, mas nascer pobre e na periferia.

O incômodo que levou Amália Tortato a escrever as mal traçadas linhas em que ataca o Plural é que esse foi o único a assumir uma posição clara e dizer, sem meias palavras, que ela e os demais vereadores movem contra Renato Freitas uma perseguição política vergonhosa, mas que é, ao mesmo tempo, a síntese de nossas elites brancas, bem nascidas e embriagadas do ódio racial e de classe. É por isso, e não por qualquer preocupação com o decoro, que querem cassar Renato.

E como a sanha persecutória das nossas elites não se contenta com pouco, porque sabe que pode muito, não é suficiente enxotar o vereador negro da Câmara de Vereadores. Ela pretende calar sua voz, retirando seus direitos políticos e tornando-o inelegível. Não é apenas um processo de cassação, mas um recado dos vereadores aos negros e periféricos sobre qual o lugar que lhes cabe na “cidade sorriso”.

Ao atacar o Plural, seus editores, repórteres e colunistas, a vereadora do NOVO não fez mais que reconhecer a parte que lhe cabe nesse grande acordo continuísta, no pacto indecoroso que usa a Câmara para dissimular o racismo e o conflito de classes.

O mérito de Amália Tortato, se é que se pode falar assim, é ao menos manifestar algum tipo de desconforto. Seus colegas, aparentemente, nem ligam. Cassar o mandato de Renato Freitas é o que eles podem fazer, sem intermediários, mantendo a pose de legisladores que lhes é assegurada pela democracia liberal. O trabalho sujo eles deixam para a Guarda Municipal e a Polícia Militar.

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