Imbrochável, bolsonarismo sacrifica o presente e hipoteca o futuro

O projeto autoritário de Bolsonaro e do bolsonarismo não se esgota no ataque às instituições e não pretende apenas saquear economicamente o país, mas sacrificar o presente em nome da destruição do futuro. Ele é uma utopia e, também nisso, se assemelha ao fascismo que o pariu

Com a de Porto Alegre na manhã do último sábado, 10 de julho, já foram cinco as tais “motociatas” organizadas pelo governo em apoio ao presidente, não apenas em desrespeito às medidas de segurança contra a Covid-19, mas em franca e aberta campanha pré-eleitoral, bancada com recursos públicos.

Cinco, em pouco mais de dois meses; a primeira foi em Brasília, no começo de maio.

Mas Bolsonaro se recusou a uma ação logisticamente mais simples – tão simples que mesmo o general Pazuello, poderia facilmente organizá-la, especialista em logística que é – e economicamente menos dispendiosa: em quase 18 meses, desde o primeiro caso de coronavírus notificado no país, o presidente não visitou nenhum hospital.

Também fez questão de não tomar a vacina, distintamente de outros líderes mundiais, incluindo nomes de direita e extrema-direita, como o inglês Boris Johnson e Benjamin Netanyahu, ex-primeiro-ministro de Israel.

E mentiu a respeito, alegando que não se vacinava para dar a oportunidade a outro brasileiro, quando todos sabemos que se fosse essa a intenção, teria feito mais pela saúde de todos nós se tivesse comprado as vacinas em tempo hábil, e desse o exemplo se deixando fotografar recebendo a dose a que tem direito.

Mas bons exemplos, não são o forte do presidente, que se sente mais à vontade imitando um paciente morrendo com falta de ar, para o deleite de seus cúmplices confinados no cercadinho em frente ao Palácio do Planalto, ou o defendendo nas redes sociais.

Pode parecer pueril à leitora e ao leitor falar em bons exemplos a essas alturas. Mas não creio que seja. A inexistência de um gesto solidário, mesmo o mais simples, como visitar um paciente em um leito de hospital, reforça o que há muito tempo deixou de ser mera impressão.

O projeto autoritário de Bolsonaro e do bolsonarismo não se esgota no ataque às instituições; sobreviverá a um possível impeachment ou às eleições de 2022, independente do resultado; e não pretende apenas saquear economicamente o país, garantindo o sustento da família e de aliados, mas sacrificar o presente em nome da destruição do futuro.

O bolsonarismo é uma utopia e, também nisso, se assemelha ao fascismo que o pariu.

Entender o seu alcance, sua dimensão utópica, nos obriga a olhar um pouco adiante. Claro, há medidas no curto prazo, como a indicação de um ministro terrivelmente submisso, um lacaio evangélico, a uma vaga vitalícia no STF. Ou insuflar a militância miliciana, nas redes sociais e nos quarteis, especialmente, para construir, desde agora, uma justificativa à violência que nos espreita no processo eleitoral do próximo ano.

Mas isso é parte de um projeto que não almeja apenas o presente, porque pretende fincar raízes e impulsionar o futuro. Nesse momento, no Congresso Nacional, tramitam projetos de lei, alguns deles submetidos à consulta pública no site do Senado, que seriam apenas esdrúxulos, não fossem pavorosamente preocupantes.

Eles vão da revogação do Estatuto do Desarmamento à redução da maioridade penal; do Estatuto do Nascituro à regulamentação da educação domiciliar; da isenção de punição a militares por crimes cometidos durante operações, o chamado excludente de ilicitude, à criminalização do MST e do ensino da “ideologia de gênero” no ensino básico.

É muita coisa, e é provável que parte disso nem mesmo prospere. Mas com a “pauta de costumes”, Bolsonaro não acena apenas à sua militância mais aguerrida, o núcleo duro do bolsonarismo.

Ele aposta, a um só tempo, no conservadorismo tacanho que, de certo modo, caracteriza parte expressiva da sociedade brasileira, nossa cordialidade já esmiuçada pelo modernismo ensaístico de Sérgio Buarque de Holanda, e na debilidade democrática que, em larga medida, ajudou a eleger Bolsonaro.

Faz parte dessa estratégia produzir novas indiferenças, que coexistem com outras, já velhas conhecidas, de que a banalização da ditadura e dos seus crimes, é o exemplo mais conhecido.

Naturalizar a morte de quase 540 mil brasileiras e brasileiros, além dos outros milhões que adoeceram, não é ignorância ou loucura, nem mesmo algum sinal de sociopatia. Bolsonaro é um delinquente pé-de-chinelo, forjado no berço das milícias cariocas; não se espere dele a inteligência perversamente sofisticada de um sociopata.

É um projeto de poder a longo prazo, que só pode subsistir sobre os escombros do presente que ele próprio trata de destruir. Uma de nossas tarefas mais urgentes e imediatas, é reinstituirmos a capacidade de imaginarmos um futuro que desejamos, e não esse, que estamos sendo obrigados a suportar.

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