Em Partida, atriz viaja de ônibus até o Uruguai para tentar falar com ex-presidente Mujica

Caco Ciocler dirige o documentário repleto de afeto, ficção e aposta na política como ato de amor

Georgette Fadel é diretora e atriz. Assim como tantos outros de sua profissão ligados à esquerda, viu a chegada do governo Bolsonaro ao poder como uma ameaça à democracia – muito antes de atos contra o STF ou de famigeradas ameaças às eleições de 2022. Partida, documentário híbrido que tem Georgette como protagonista, é uma resposta à ameaça fascista que se instaurou no Brasil.

O longa-metragem tem como premissa unir, em uma viagem de ônibus, uma pequena trupe de atores e cineastas que vão tentar encontra com Pepe Mujica em 31 de dezembro 2018, o último dia antes de Jair Bolsonaro subir a rampa do Planalto.

Mujica foi presidente do Uruguai entre 2010 e 2015, saindo do governo com alto índice de aprovação. O uruguaio até hoje é louvado pelas esquerdas mundiais, sendo apontado como um dos políticos mais coerentes da atualidade. Por tanta fama e carisma, Mujica é muito requisitado – tanto por turistas que tentam visitá-lo na chácara onde vive, na área rural de Montevidéu, como por convites para palestras e eventos. Registros de suas falas pululam pela web. Em diversos desses vídeos, ouvimos reiteradamente uma metáfora que ele usa para explicar de forma simples o capitalismo. Ele diz que o trabalho é a venda do tempo de vida de uma pessoa; que o lucro, é a exploração dessa vida; e que a única coisa que o dinheiro não pode comprar, é, justamente, o tempo de vida.

Por ser uma metáfora muito simples e potente, muita gente repete por aí a ideia do tempo de vida e do lucro no capitalismo. É o caso de Georgette, que a reitera diversas vezes ao longo da viagem para o Uruguai. É que a atriz precisa achar argumentos para defender suas ideias, já que um dos passageiros no ônibus é Léo Steinbruch, ator mais à direita do espectro político.

Enquanto descemos a estrada em busca de Mujica, vamos entendendo que o propósito do filme é também o de lançar a candidatura de Georgette para a Presidência da República em um partido que virá a se chamar Partida, uma alusão aos movimentos identitários que estão tão em voga nas discussões atuais. Se a candidatura é falsa ou não, não sabemos. O filme faz questão em deixar claro que muito do que vemos ali é ficção, mas o faz misturando as coisas. Léo, como antagonista, é o motriz para colocar na tela a fala política da protagonista. Porque ele faz os questionamentos do censo comum sobre o que é ser de esquerda, comunista, utópico. Um dos pontos altos do filme é justamente quando Georgette e Léo discutem aos berros por seus ideais.

Embora não haja nada de novo na mistura entre ficção e documentário, Caco Ciocler, o diretor, o faz com alguma maestria. A dúvida acerca do que é e não é real em Partida surge em muitos momentos para nos fazer pensar sobre até onde vão os afetos e a intolerância para com outras ideias. A briga de Georgette e Léo é um dos ápices do filme porque nos coloca frente a frente com a violência, mesmo que apenas verbal. Protagonista e antagonista, aqui, estão em campos opostos, mas são ambos atores de teatro e cinema, são ambos colegas das artes. E por isso que é importante vermos essa discussão sem entender exatamente do que se trata, porque antes de tudo há afeto entre eles. E assim dói mais de ver.

Caco Ciocler, mais conhecido por sua atuação como ator em papéis para a TV Globo, estreia na direção de cinema com o Partida. Faz um filme repleto de amor e política, colocando o benquerer entre os integrantes dessa trupe em primeiro plano e trazendo, no final, um raro momento de beleza política e afetiva.

Partida é um dos tantos filmes que vêm tentando fazer uma radiografia do atual momento político brasileiro. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, um monte deles desembarcou nas telas. O Processo, de Maria Augusta Ramos; Democracia em Vertigem, de Petra Costa; Alvorada, de Anna Muylaert e Lô Politi, são alguns exemplos. Partida, contudo, parece ser o único que aponta para algum lugar. Seus filmes irmãos pareciam, todos, embotados pelo fracasso e horror, inertes ao observar o naufrágio. O longa de Ciocler pode não saber exatamente para onde está indo, mas vai com muito vigor para esse lugar obscuro, mesmo que para sua protagonista não tenha significado nada tê-lo feito. É o que Georgette confessa para seu diretor, emocionada por ter participado do projeto, mas sem de fato entendê-lo como algo capaz de mudar um pouco esse mundo capitalista.

Disponível para assinantes na Amazon Prime Video.

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