PM atira mais de 50 vezes, mata três e imprensa chama de “confronto”

Policiais perseguiram carro com suspeitos de assalto

O vídeo chegou pra mim num grupo de WhatsApp e amigos jornalistas. Sem saber o que era, abri e fiquei estarrecido. Um motorista filmou na entrada de Maringá o final de uma perseguição policial. Ao chegar a um sinal fechado, o carro que estava sendo perseguido parou – não dá para ver tudo com clareza porque a imagem mostra a viatura policial de trás. O que se escuta, porém, é uma rajada de tiros (tentei contar, mas é impossível, a primeira saraivada parece ter mais de quarenta estampidos).

Em seguida, o carro atingido começa a rolar lentamente pela pista, provavelmente com o motorista já morto. Uma outra viatura chega e todos os policiais descem. Quando se aproximam, o que se escuta são mais uns 20 tiros. Em volta, dezenas de carros, vários deles pelo jeito filmando, outros com testemunhas oculares do que acaba de acontecer.

Eu, sempre chocado pela truculência policial, pensei que pelo menos dessa vez estava claro que se tratava de algo inaceitável. Tudo aconteceu à luz do dia. Houve um fuzilamento, um massacre. Não dá para ver se alguém do carro perseguido tentou algo, se atirou. As testemunhas certamente poderão dizer isso. Não se vê nenhum policial ferido. Mas a reação, especialmente no segundo momento, quando certamente ninguém mais dentro do carro tinha condições de fazer nada e mesmo assim os PMs metralham todos lá dentro, parecia inequivocamente fora de qualquer padrão aceitável.

Pensei que dessa vez o coro seria unânime contra o que me parecia claramente uma execução. Foi burrice minha, como descobri horas depois ao acessar os portais de notícias.

Invariavelmente os jornais chamaram o caso de “confronto”. Conheço a imprensa por dentro faz vinte e tantos anos, especialmente a imprensa paranaense, e é fácil identificar quando os textos partem todos de uma mesma fonte. Todos os textos que li, em vários sites (alguns mais respeitáveis, outros menos) pareciam variações de um mesmo release enviado pela polícia.

Nos textos dizia-se que os três homens mortos eram “suspeitos” de assaltos em Marialva. Não dizem que alguém atirou contra a polícia, o que caracterizaria minimamente um confronto: o texto da CBN, por exemplo, diz que os policiais viram os suspeitos com armas. E isso bastou.

A truculência da PM existe em boa medida porque o Estado é conivente com isso. Mas também tem culpa quem vê um vídeo desses e consegue enxergar confronto onde nitidamente o que ocorreu foi uma chuva de tiros de um lado só. Acabamos de ter o julgamento de gente do Exército por matar com mais de 250 tiros um homem, mas não adiantou nada na cultura do país. A polícia continua atirando muito e atirando sem ser responsabilizada.

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