Insônia, pressão alta e sentimento de injustiça

Condenado da Lava Jato diz em carta anônima que até os ateus rezam na cadeia, e que presos não aceitam modo como processo ocorreu

Na cadeia, religião se torna uma necessidade, diz preso em carta. Foto do Natal no CMP. Crédito: Conselho da Comunidade.

“Para falarmos sobre isso há necessidade de caracterizar as razões da prisão de cada grupo de pacientes da 6ª Galeria do CMP.

Temos como base os tipos abaixo:

– Condenados por tráfico;

– Condenados por estelionato;

– Condenados por crimes de colarinho branco ligados ao Estado.

Esses saem em poucos meses.

– Condenados na Lava Jato;

– Condenados por crimes sexuais.

Esses últimos permanecem por anos.

A diferença é que os pacientes relativos aos crimes sexuais se acham merecedores da pena por acreditarem em suas culpas e se resignam na expectativa do cumprimento dos prazos penais. Eles se comportam de forma silenciosa e evitam o convívio com os demais presos.

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Por fim, os Lava Jatos, ao qual pertenço, onde permanentemente há um sentimento de todos de injustiça nas aplicações das penalidades. Nenhum foi preso por aquilo que pode ter feito, e sim por aquilo que o Ministério Público Federal achou que foi feito. Pois as prisões foram baseadas em delações de réus confessos que se aproveitaram para acusar outros por “ouvi dizer” ou “achologia” na comparação com seus próprios comportamentos.

Enfrentamos os corredores da prisão, elementos de outras galerias, que são mais violentos, guardas que se sentem poderosos diante dos presos humilhando-os sempre que podem, imposição de disciplinas desnecessárias

O segundo pensamento comum dos Lava Jatos é a dosimetria. São completamente exageradas para os crimes que lhe são imputados.

O terceiro sentimento, também unânime, é o de revolta contra a exposição a que todos são submetidos pela mídia, que nos condena por suposições levantadas pelo MPF e delatores.

O quarto sentimento é a constatação de que a sociedade como um todo não se atém à profundidade do tema em questão, não percebendo as fortes inclinações do MPF e do juiz com sentimento de vingança generalizada contra aqueles que porventura se encontram na condição de apenados, principalmente quando são expostos os bens de consumo.

Passando por cima da análise de culpabilidade ou não dos indivíduos, posso traduzir os meus sentimentos que ocorrem após o esgotamento judicial na tentativa de sair, através de advogados contratados, buscar os HCs possíveis, redução de pena, etc…

Após passar tudo isso enfrentamos definitivamente os corredores da prisão, suas grades, elementos de outras galerias, que são mais violentos, guardas que se sentem poderosos diante dos presos humilhando-os sempre que podem, imposição de disciplinas desnecessárias, embaraço de nossas visitas com atitudes mandatórias e decisões discricionárias sobre as comidas que podem trazer.

Não posso deixar de qualificar os demais guardas, psicólogos, médicos, que na maioria, por nossa sorte, dão seu máximo para fazer da penitenciária algo que venha ao encontro da recuperação dos presos.

Como um dos presos mais antigos da Lava Jato, já começo a aconselhar os mais recentes para enfrentar a possível depressão.

Se houver insônia, Rivotril. Se tiver pressão alta, Diovan. Sintomas que são comuns a todos.

Temos que:

– manter a mente sã: ler muito. No meu caso, já li mais de 100 livros. Fazer Sudoku e palavras cruzadas.

– remir o máximo que puder para reduzir a pena e ocupar o tempo com o trabalho e leitura para conseguir no máximo 14 dias por mês. Além disso, dentro do possível, fazer outros cursos que forem disponibilizados pelo CMP.

– manter o físico são: andar, correr, fazer musculação pelo menos três vezes por semana, utilizando a criatividade para criar aparelhos e pesos, como, por exemplo, garrafas d’água.

– entretenimento – jogar xadrez, dominó e tocar violão.

Com a rotina assim estabelecida, enfrentamos estoicamente nosso destino. Rezamos muito, inclusive os ateus e agnósticos, na tentativa de compreender o que está acontecendo, a lentidão da Justiça e talvez como um destino influenciado pelo Divino para compensar supostos pecados do passado ou até mesmo proteger de outros acidentes que ocorreriam se não estivéssemos presos.

Por fim, se houver insônia, Rivotril. Se tiver pressão alta, Diovan. Sintomas que são comuns a todos.

Acordamos 6h30 com a entrega do café com pão. Abrem-se as portas por volta das 8h30 e elas fecham às 18h, após servirem o jantar.

A noite, que é longa, usa-se para ler ou para assistir TV aberta.

Há de se ressalvar a solidariedade entre todos. Todos se preocupam em ajudar a todos, indiscriminadamente, o que inclui os criminosos sexuais ou mesmo assassinos (poucos em nossa galeria).

Há uma grande oferta de remédios aos que precisam, assim como ingredientes recebidos nas visitas que são permitidos como chocolate, leite, açúcar, café e bolacha.

Posso afirmar para terminar que sairemos daqui com as seguintes lições:

– Podemos viver muito bem somente com nossos familiares, os reais amigos e com pequenos confortos;

– Podemos fazer muito mais pelo próximo como fizemos aqui dentro, dando aulas, amor e compreensão;

– Que não devemos acreditar jamais sem termos analisado profundamente o que é dito pela mídia;

– Que não devemos acreditar na generosidade e na compreensão e nem na retórica dos promotores de Justiça. Um bando de jovens que não conhecem a vida e nem as relações comerciais mundiais e visam a vaidade do poder como principal motivos de suas acusações. Não estou me referindo aos casos comprovados de crime de corrupção e de réus confessos. Mesmo afirmando que os critérios usados nas delações foram ilegais, na maioria;

– Devemos saber que a maioria dos juízes não sabe o que é estar preso e nem tem interesse em conhecer o sistema penitenciário;

Enquanto isso, teremos os delatores, réus confessos, indultados por seus acordos e gastando as sobras nas conquistas ilegais.

Finalmente tem que se fazer uma análise melhor dos presídios para responder as perguntas: por que se é preso? Onde se quer chegar? Quais são as estratégias? Como acompanhar o cumprimento das estratégias de ressocialização, se for esse o interesse.

O sistema atual é totalmente incompetente para a recuperação de presos.

Os presos da Lava Jato sairão exatamente como entraram, com gostinho de terem perdido tempo útil de sua vida.

Os demais presos farão novas amizades e buscarão aconchego e esperança nas lideranças criminais.

Enquanto isso, teremos os delatores, réus confessos, indultados por seus acordos e gastando as sobras nas conquistas ilegais.

Nós, outros, sairemos com um tsunami de processos (TCU, AGU, Bolsa de Valores, improbidades administrativas, Receita Federal) e buscarão ressarcimento de valores inexistentes em nossas contas bancárias.”

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