Os inéditos, que não serão esquecidos, de João Osorio Brzezinski

Entrevistamos o artista paranaense, que abriu sua exposição individual no Museu Guido Viaro, uma retrospectiva dos seus mais de 50 anos de produção

Óleo sobre tela, acrílica sobre tela, instalação, técnica mista… a sensação ao entrar na exposição Os inéditos e já esquecidos de João Osorio é de, pela multiplicidade de suportes, ser uma exposição coletiva. Mas não é. A individual do artista paranaense faz uma retrospectiva da sua produção, a fim de comemorar seus 80 anos de vida, completados neste ano de 2021.

João Osorio Brzezinski nasceu em Castro, em 1941, frequentou a Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP) entre 1959 e 1962 e, durante este período, foi aluno de Theodoro de Bona e de Guido Viaro. Ao longo de sua formação, os amigos e professores percebiam seu olhar atento ao que estava à sua volta. Mas João Osorio absorvia os ensinamentos da formação acadêmica sem deixar de ser um constante questionador.

Seu currículo é extenso, mas vale citar que atuou como professor na EMBAP (1968 – 1996), no ateliê de pintura e colagem do Centro de Criatividade (1973 – 1980) e no Departamento de Arte da Universidade Federal de Paraná (1982). Exerceu o cargo de diretor do Museu Alfredo Andersen (1971 – 1978) e participou da organização do Salão Paranaense em 1972. Além disso, participou de inúmeras exposições individuais e coletivas.

Os mais de 30 prêmios que recebeu ao longo de sua carreira não fizeram com que ele parasse de metamorfosear sua produção, sempre buscando se conectar com seu próprio tempo. Osorio começou como expressionista, passou pelo abstrato, pela colagem, pelaarte pop, expandiu os limites da tela, produziu objetos em plástico, gravura e escultura. Mesmo com as diversas vertentes que tomou em sua trajetória profissional, o artista não deixou nunca de ser polêmico.

Nos anos 1960, juntamente com Fernando Calderari, Fernando Velloso e outros artistas de sua geração, rompeu com a arte acadêmica e tornou-se uma figura fundamental para o modernismo no Paraná. Sua produção da época conta com inserções de colagens à la Braque e Picasso, inserindo elementos não como fragmentos de realidade, mas em busca do pictórico.

No início dos anos 1970, aventurou-se para além da bidimensionalidade das telas e produziu os Objetos Caipiras, que seguiam a exploração dos materiais iniciada nas colagens. Foi com estes objetos que o artista polemizou o ideal de beleza da obra, dialogando o Kitsch e o Pop por meio do uso de materiais industrializados – usando tecidos, como estopa e chita, colados em baldes de plásticos, tampas e canecas. É a ironia entre o mundo industrial e o subdesenvolvimento.

Na década seguinte, mais uma vez em metamorfose, o artista passa a produzir paisagens de caráter neorrealista, inspiradas nas cenas marítimas, pelas quais é apaixonado. Suas cenas nos levam para o mar, não só como espectadores, mas quase como se pudéssemos sentir a brisa leve tocando a face. Desde o final da década de 1990, Osorio passa também a desenvolver instalações de caráter crítico, que carregam uma fina ironia sobre a cena política brasileira.

Entrevistamos o artista João Osorio a fim de entender um pouco mais de sua trajetória nas artes, as principais influências no desenvolvimento de seu trabalho e como surgiu a ideia desta exposição.

Entrevista com João Osorio

Como que a arte chegou até você, ou como você chegou até a arte?

Desde criança eu vinha rabiscando. Tem uma história engraçada. Eu tinha uns 6 anos quando um homem nos ensinou a riscar no chão. […] E assim foram os primeiros desenhos que fiz na minha vida.

Além disso, minha mãe aprendeu a pintar com as freiras. Meu pai tinha um irmão que desenhava bem também. Eu tinha uma prima que pintava. Meu pai lia muito, me deu um monte de livro de arte. Meu irmão, que se chamava Guido (ele faleceu este ano), desenhava muito bem. Ele desenhava os artistas de cinema. Nossa, uma perfeição! Eu peguei a revista Cruzeiro com um perfil do papa e fiz. Até que ficou ok. Tenho guardado até hoje. E depois eu continuei desenhando e copiando de revistas.

O ambiente em casa sempre foi muito favorável.

Quais as principais influências para o seu trabalho?

Quando vi a primeira bienal em 1959, me influenciou muito. Tinha o Van Gogh, expressionismo alemão, tinha uma sala do Portinari, tinha o grupo Cobra, movimentos dos Estados Unidos. Foi de me deixar louco aquilo. 

E, ao mesmo tempo, na Belas Artes [Escola de Música e Belas Artes do Paraná], o ambiente era muito bom. Porque a escola de arte não é só para aprender, mas para trocar ideia, ver coisas, falar sobre assuntos, ler a respeito. Por exemplo, o [Guido] Viaro, na primeira aula, falou o seguinte: vocês podem pintar o que quiserem, menos “cretinice”.

O [Theodoro] de Bona era diferente, ele dizia que o “bom aluno é aquele que surpreende o mestre”. E ele me dizia que eu tinha um jeito meio “polaco” que começava errando até que conseguia se acertar.

Ao longo da sua carreira você usa uma multiplicidade de suportes, de materiais, de técnicas. E venho me perguntando: você é um artista inquieto em relação ao material e às técnicas, mas também em relação a realidade que o cerca?

Eu me considero inquieto. Mas nunca dei saltos, sabe? Sempre há uma certa evolução progressiva. Tem uma passagem: figuração, geometrização e simplificação até que abstrai. Sem dar saltos.

E quando senti que só a pintura não bastava, comecei a usar colagem e, depois da colagem, comecei a usar aniagem. Quando eu vi que ia ficar preso à cor da aniagem, comecei a pintá-la de outra cor para mudar a tonalidade geral do quadro. E isso me levou a colar pano estampado, e o tecido do pano dava origem ao esquema cromático do quadro. E comecei a usar [o tecido] como crítica social, pegando chitas (pano de toalha, pano de colchão…) e fazia crítica social através do tecido que estava colando. E, então, comecei a enrugar o tecido, plastificá-lo com cola.

E disso, eu comecei a fazer os Objetos Caipiras, que eram montagens de plástico que, em princípio, tentei colar com araldite e descobri que não dava certo. Sem querer eu descobri que, se eu pegasse dois plásticos e soldasse  quente, quando tirava e secava, eles estavam fundidos. Aí passei a montar os objetos e não mostrar a emenda. E onde que não dava para esconder a solda, comecei a colar tecido estampado para esconder. E esses tecidos também tinham uma crítica social ao nosso terceiro mundismo. 

Um deles eu chamei de “televisão em cores”, quando o Brasil não tinha a televisão em cores. Em outros eu buscava esconder a origem do objeto, não mostrar o que era. Pegava um objeto aqui e fundia com outro ali para criar uma terceira coisa. Outros, de propósito, deixava uma dica. Era uma crítica social que coincidiu com a Pop Art que estava surgindo.

Esse [os Objetos Caipiras] foi um trabalho que na época o pessoal detestou. Teve quem falasse que era um absurdo que não fosse escultura de ferro, pois “plástico não dá sucata”. E hoje em dia o maior problema do mundo é a sucata de plástico. Enfim, na época o pessoal se assustou. Anos depois, o Frederico Moraes falou “o plástico foi a coisa mais linda que você fez na vida”. Na época, ninguém tinha coragem de dizer.

Objeto caipira II (1971). Plástico e tecido. Acervo do Museu Oscar Niemeyer, Curitiba (PR).

E eles precisam de bastante cuidado, não é?

Sim. Eu restaurei três vezes.

Eu li que alguns dos seus trabalhos causaram muita controvérsia no cenário das artes. Eles foram concebidos com esse objetivo de provocar?

Eu era provocativo. Por exemplo, eu fiz um quadro chamado “Quintal de Parada” (1967).  Fiquei com medo de ser preso. É uma colagem de tecido que lembra um pouco as condecorações militares, algumas forcei a barra e deixei com cara de dragona militar. Fiz uma imagem que seria uma figura retorcida no chão, morta, uma mistura de ferro com gente. Escrevi em cima “Descansar!”, e embaixo arranquei um pedaço e escrevi “Marcha soldado, cabeça de papel, quem não marchar direito vai preso no quartel”. Expus isso no Museu de Arte Contemporânea em São Paulo e eu estava pronto para ser chamado. Não aconteceu nada. E aí reparei que a ditadura estava preocupada era com teatro, cinema, literatura, mas que as artes plásticas não tinham muito alcance para eles, portanto, deixaram passar. Um dia desses o [Fernando] Bini falou, “o João teve muita sorte de não ser preso na época”.

Quintal de Parada (1967). Acrílica, aniagem e chita coladas sobre tela. Acervo do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, Curitiba.

E como surgiu a ideia desta exposição especificamente?

Há mais ou menos 3 anos, o Museu Guido Viaro perguntou se eu não queria expor aqui. Foi marcado para uma data, por alguma razão transferimos para o ano seguinte, mas veio a pandemia e deixamos para setembro [de 2020]. Por fim, tivemos de cancelar até que isto tudo acabasse. E aí acertamos que seria agora em 2021.

A exposição Os inéditos e já esquecidos de João Osorio fica em cartaz até dia 21 de janeiro de 2022, no Museu Guido Viaro. Para além de uma retrospectiva, é um convite à reflexão e um elogio à inventividade.

O museu Guido Viaro localiza-se na Rua XV de Novembro, 1348, abre de terça a sábado, das 14h às 18h.

Agradeço ao artista João Osorio Brzezinski, por tirar seu tempo para realizarmos esta entrevista, e ao curador e amigo Fernando Bini, por estar sempre aberto a conversas e disposto a colaborar com minhas pesquisas.

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