Um argumento a favor do destino

Não estou certo se acredito em destino, como um caminho já traçado e que apenas percorremos. Porém, quero acrescentar um argumento à discussão

Não estou certo se acredito em destino, como um caminho já traçado e que apenas percorremos. Porém, quero acrescentar um argumento à discussão.

[Leia outros textos do escritor Leonardo Garzaro, no Plural.]

Estávamos em 2005 e eu trabalhava há três anos em um banco. Era meu segundo emprego e, aparentemente, seria o último, já que meus colegas logo iriam completar trinta anos de empresa. Bom salário, bons benefícios, um ambiente saudável: o único problema é que eu tinha certeza que não queria trabalhar ali, determinado a ser escritor, para desespero dos meus pais.

Havia conseguido rapidamente duas promoções: a primeira, para assessorar um gerente, que passava o dia ao telefone, era ótimo vendedor, porém não sabia sequer enviar um e-mail. Não estou exagerando: os conhecimentos de informática do meu chefe se limitavam a ligar um computador, e me cabia executar tudo que ele pensava. Um ano depois, com 22 anos, decidiram me promover novamente: era minha vez de fazer as negociações. Buscando parecer mais velho, decidi deixar a barba crescer e parar de usar os ternos do meu pai. Considerei ainda incorporar um prendedor de gravata, mas logo desisti.

[Leonardo Garzaro escreve sobre “Pé na estrada”, o livro de Jack Kerouac.]

Nunca trabalhei tanto quanto nessa época. Chegava cedo — na verdade, atrasado todos os dias —, do trabalho ia para a faculdade, depois de tudo ainda tentava escrever um romance, que terminei, mas felizmente nunca foi publicado. Eu tinha tanto sono que adotei uma série de técnicas para dormir alguns minutos a mais. A melhor delas era a seguinte: acordava, enfiava as roupas e corria para o trabalho. Gastava meros dez minutos entre levantar da cama e sair de casa. Então, chegando à agência, tomava o café da manhã, escovava os dentes, penteava o cabelo. O pessoal debochava, lembrava de um quadrinho do Calvin e Haroldo, no qual o personagem principal pede para a mãe pendurar o uniforme no corrimão da escada de casa, assim ele pode se vestir enquanto escorrega. Calvin diz: Se o cereal estiver na porta, eu posso me levantar apenas trinta segundos antes do ônibus escolar chegar. Era a minha vida. E funcionava! Descobri também uma forma dormir um pouco quando o chefe ia almoçar, escondido em um cantinho, para recuperar as energias. Só assim conseguia cumprir o ritmo, dormindo muito tarde, acordando cedo, estudando.

Foi também nessa época que tive meus primeiros contatos com o mercado editorial. Um cliente era editor, outro era gráfico, e eu fazia questão de visitá-los mensalmente, encantado em descobrir os caminhos do livro. Perguntava sobre tudo: como os títulos eram escolhidos, como eram publicados, como eram impressos. Aprendia muito e buscava uma oportunidade para me dizer escritor, ansioso por publicar meu primeiro livro, porém nunca disse nada. Descobri ali que a consignação era um sofrimento e que ninguém queria se arriscar com literatura brasileira. Naquela época, bom mesmo era autoajuda.

A saga durou quatro anos e foi concluída com lágrimas de colegas e clientes — eu gosto de lembrar assim, mas acho que, de verdade, ninguém chorou. Conservei bons amigos e ótimas histórias, inclusive a da vez em que houve um assalto, sem vítimas, mas que contou com dois fatos inusitados: o primeiro, é que eu não percebi o que estava acontecendo até que tudo estivesse terminado (digamos que o chefe tinha saído para almoçar…). A segunda é que, pouco depois da saída dos assaltantes, percebeu-se que um deles havia esquecido a carteira, com os documentos, com dinheiro, com uma conta de luz!, o que possibilitou a polícia aparecer em sua casa menos de quinze minutos após a investida criminosa. Eu era bastante distraído na época, aqui e ali vivia perdendo celular, carteira, documentos de identificação. Famoso pela falta de cuidado, os parentes brincaram que eu devia ter algum parentesco com o meliante. E eu juro que não!

Aos poucos, todos deixaram o prédio. Três se aposentaram, três foram promovidos, um foi demitido. Eu me tornei editor e escritor. Soube que, depois de uma década, o prédio onde o banco funcionava foi fechado, a agência relocalizada. Me perguntei o que fariam naquele imóvel de três andares, desajeitado, que não parecia capaz de abrigar nada que não fosse um banco. Suspeitava que ele permaneceria fechado, calado, com todas as histórias guardadas lá dentro, mais um dos muitos imóveis desocupados da cidade com uma placa de “aluga-se” pendurada na porta.

[Podcast “O que ler agora?”fala sobre o romance “O guardião de nomes”, de Leonardo Garzaro.]

Não pensei mais naquilo até ser convidado para a inauguração da livraria Liberdade & Consciência, em São Bernardo. Claro que aceitei! Atualmente, aceito todos os convites! E qual não foi minha surpresa ao descobrir que o endereço era justamente o do banco onde eu havia trabalhado. No térreo, onde ficavam os caixas eletrônicos, agora está um café bem servido, com ótimas opções, inclusive um cappuccino que recomendo. O caixa fica no mesmo local onde antes estava instalada a porta giratória, testemunha de tantas e diárias discussões. A mesa do gerente, onde levei algumas broncas (ou feedbacks, como se dizia), foi retirada e no local se instalou um escorregador! E, no exato local onde eu trabalhava, bem onde ficava minha mesa, está a sessão infantojuvenil, onde está à venda meu primeiro livro publicado, “O Sorriso do Leão”.

Para quem não acredita em destino, eis o meu argumento.

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