AVC e o direito de ser mãe

Toda gravidez pós-AVC é considerada de risco, por isso, o ideal é que ela seja planejada e receba o cuidado de vários profissionais da área da saúde

O AVC nos atinge em qualquer idade e, se não nos cuidarmos, ele pode levar embora os nossos sonhos, inclusive o da maternidade. Mas, já que a vida é feita de turbulências e desafios, como continuar sonhando depois de um baque tão intenso como um AVC? Quem nos dá a resposta são Deborah e Danielly, as mães protagonistas do texto de hoje.

Em nossos tempos pós-contemporâneos, muito se fala sobre a escolha feminina em ser mãe. Afinal, há tempos a mulher adentrou no mercado de trabalho e, a cada dia que passa, se descobre mais independente e responsável pelo seu corpo. Só que quando se trata de mulheres AVCistas e/ou com deficiência, a decisão de realizar o sonho de ser mãe é fortemente questionada por um preconceito capacitista de que não somos capazes de criar nossos filhos, devido às limitações pós-lesão cerebral.

Quem enfrentou tudo isso na pele foi Deborah Linari (Santo André – SP), que ouviu muitas críticas ao revelar que ela e o marido estavam esperando um bebê: foi chamada de louca, irresponsável e, até mesmo, teve a continuação de seu tratamento recusado por um médico neurologista. Só que em meio a tantas adjetivações maldosas, esqueceram-se de uma grande característica de Deborah: ela é corajosa.

Toda gravidez pós-AVC é considerada de risco, por isso, o ideal é que ela seja planejada e receba o cuidado de vários profissionais da área da saúde. É preciso analisar o corpo da mulher e os possíveis contratempos ao longo dos nove meses. Um desses revezes é a mudança na dosagem de anticonvulsivos, já que uma de suas reações adversas é a malformação fetal. Em outros casos, a futura mãe precisa injetar diariamente um remédio muito caro na barriga para evitar a formação de coágulos. Na gravidez da mãe AVCista, os meses são longos e exigem diversos exames além dos habituais, ou seja, não é um processo para quem não tem certeza, mas para quem realmente sabe o que quer.

Desde que se conhece por gente, Deborah sonhava em ser mãe, mas foi justamente em seu coma depois do primeiro AVC, especificamente em uma “conversa com Deus”, que ela recebeu o nome de sua filha. Assim que se recuperou, ainda lidando com o desafio de ter uma parte do crânio em sua barriga (um procedimento muito comum durante as craniotomias), foi atrás de seu sonho de se tornar a mãe da Lavínia, nascida em junho 2020. Acredito que o dia a dia de Deborah não seja fácil, pois além das novidades rotineiras, ela se reabilita cuidando da filha que, mesmo sem saber, estimula a neuroplasticidade da mãe com o melhor remédio do mundo: o amor. Nos poucos vídeos que ela posta em suas redes sociais, não presto atenção em suas dificuldades, mas em como a maternidade a ajudou a se recuperar, embalada nas inconfundíveis gargalhadas de sua filha.

Também encontramos todo esse amor nos vídeos que Danielly Generozo (Betim – MG) faz, mostrando as evoluções de sua filha Manu na página @vidacomamanu (Instagram). Neste caso, a AVCista não é a mãe, é a filha que, com apenas três meses de idade, foi diagnosticada vítima de um AVC intraútero. Tal como toda mãe em sua situação, Danielly teve pouco tempo para lidar com a notícia e rapidamente foi à luta. Assim como todos nós AVCistas, ela conhece praticamente tudo sobre acidente vascular cerebral, assim como todos os tratamentos de reabilitação que são mostrados no dia a dia da página. Acredito que Dani não tem ideia de como proporciona visibilidade e empoderamento à nossa comunidade por meio dos feeds da sorridente Manu, que sendo tão pequenina, é tão grande.

Deborah e Danielly são algumas das mães que enfrentam as consequências do AVC, um acidente tão grave e comum, que atinge bebês ainda no útero e muitas mulheres durante várias fases da vida, inclusive depois do parto. Neste texto, elas representam milhares de mulheres que lidam com maternidade em meio a exames, clínicas de reabilitação e às incertezas do amanhã.

O AVC sempre será uma tragédia em nossas vidas, não há como negar isso. Todavia, em nossa luta diária, somos capazes de nos unir em nossa recuperação pelos movimentos e pela vontade de viver. E, nesse processo, como é importante ter sonhos e coragem para lutar por eles! E como é bom saber que sonhar é possível para mulheres como Deborah e Manu. Deborah pode ser mãe, e Manu pode ser quem ela quiser.

Deborah Linari e Danielly Generozo gentilmente liberaram um pouco de suas histórias para a escrita deste texto no qual representam as milhares de mães que lidam diariamente com as consequências de um AVC.


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