Relatos do Mundo oferece música elegante de faroeste

Filme é um dos indicados ao Oscar de Melhor Trilha Sonora; cerimônia acontece no próximo dia 25

Filmes inspirados no Velho Oeste Americano geralmente não deixam espaço à pluralidade de opiniões: gosta-se ou não. Tentativas voltadas a arejar este gênero, em geral, têm dado à luz recriações estereotipadas dos clássicos, ou pior, inovações questionáveis envolvendo de alienígenas a máquinas do tempo. Também as músicas desses filmes atuais de faroeste acabam no mesmo limbo criativo, por oscilarem das releituras de Morricone às apostas em alguma voz do pop. Relatos do Mundo, estrelado por Tom Hanks no papel do Capitão Kyle Kidd e disponível na Netflix, pelo menos vai na contramão dessa tendência.

A trilha musical foi escrita pelo veterano James Newton Howard, cujas credenciais são dispensáveis, dado o número de trabalhos que esse compositor assina. No faroeste de Tom Hanks, a música surpreende pela sutileza com que se conecta à narrativa, por meio de caminhos estilísticos referenciados nos clássicos, porém sem exageros. São exemplos disso algumas harmonias quartais reservadas para as cenas de índios, o banjo como instrumento de base harmônica nas cenas de cidade, o violino como instrumento solo em cenas de deserto, a percussão marcada por instrumentos de membrana em cenas de tiroteio e suspense, entre outros fatores. 

James Newton Howard assina a trilha sonora de Relatos do Mundo. Foto: divulgação.

O filme é bastante previsível em certos aspectos narrativos, ou seja, não deixa margem para dúvidas de que o final será exatamente o que se espera. Pode empobrecer um pouco a experiência, mas ao mesmo tempo é coerente se comparado às narrativas dos faroestes e suas fórmulas. Ocorre que há algumas surpresas interessantes, que vão reverberar também na música. Uma delas é a chegada do protagonista numa daquelas cidades de uma rua só, em meio a boiadas e sujeitos mal-encarados. O motivo central da música, intitulada Arriving at Red River, é conduzido por uma densa sessão de cordas, intercalada por um banjo que vem à frente, colocando o ouvinte no contexto da paisagem sonora que se seguirá.

A chegada do protagonista à cidade. Foto: divulgação.

Um dos raros momentos de música diegética neste filme ocorre quando o Capitão Kidd visita um casal de amigos, em busca de ajuda para solucionar o problema que vai consistir na questão central do filme. Esse amigo é violinista e está ensaiando com uma partitura na estante. Ele toca durante pouco tempo, mas o suficiente para indicar que o violino passará a ser protagonista dos temas musicais que virão.

Cena do violino, um dos raros momentos de música diegética neste filme. Foto: divulgação.

Ouvir a playlist de uma trilha sonora é sempre uma experiência interessante, principalmente depois de se assistir ao filme. Isso decorre, de certa forma, dos títulos conferidos às músicas, que são descrições das cenas às quais se referem. É habitual que seja assim, porque tratamos de um tipo de música descritiva. No entanto, neste caso específico a apreciação é mais sutil, porque falamos de uma trilha que não quer ser épica, ela está a serviço da cena, consistindo numa voz acessória dentro da polifonia visual e sonora que o filme apresenta ao público.

O que estou querendo dizer é que a música composta por Howard equilibra duas coisas complicadas numa trilha: a previsibilidade proveniente do próprio filme e a falta de espaço para um tema musical que fique no imaginário. Desta maneira, é possível que uma parcela do público assista ao filme e não perceba as sutilezas da composição musical, entretanto, este problema se transforma no principal mérito da trilha sonora de Relatos do Mundo: que é o de não dividir a atenção e ao mesmo tempo ser essencial para que a história contada faça sentido.


Para ir além

Relatos do Mundo

Trailer oficial

Trilha sonora

Teria o Oscar mudado seus critérios de indicação à Melhor Trilha Sonora?
Nunca Raramente Às Vezes Sempre fala sobre aborto com respeito e sem julgamentos

Sobre o/a autor/a

Compartilhe:

Leia também

Há saída para a violência?

Há que se ter coragem para assumir, em espaços conservadores como o Poder Judiciário, posturas contramajoritárias como as que propõe a Justiça Restaurativa

Leia mais »

Melhor jornal de Curitiba

Assine e apoie

Assinantes recebem nossa newsletter exclusiva

Rolar para cima