Eles já cumpriram pena. Mas estão na cadeia por não ter para onde ir

Complexo Médico Penal tem 31 pessoas com alvará de soltura, 16 expedidos há mais de um ano. Com problemas de saúde mental, os asilares só podem sair com um curador ou vaga em abrigo

Ao lado de outros detentos do Complexo Médico Penal, em Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, vive Luiz, como vamos chamá-lo. Alguns cumprem medida de segurança; outros 30, como ele, estão na condição de asilares. Estes já receberam o alvará de soltura da Justiça, há mais de um ano, mas continuam a morar na prisão. Falta-lhes família e vaga em abrigos institucionais. Assim, permanecem sob a tutela do Estado.  

Aos 40 anos, com esquizofrenia paranóide, Luiz está numa cela desde 2017, hoje com 14 internos. Ajudante em lavouras de maçã, com Ensino Médio completo, solteiro e sem filhos, ele perdeu o contato com o pai e tem a mãe também como asilar. Luiz tem um curador – responsável legal – mas ele não apareceu para buscá-lo, mesmo informado sobre sua soltura.

Já Ana, de 60 anos, não sabe se tem um curador nem se recorda bem de seu passado. Quando foi presa, em situação de rua, em 2018, estava sem documentos. Também com esquizofrenia paranoide ela relata ter sido forçada a trabalhar numa casa de prostituição quando engravidou e teve a criança roubada.

Estas e outras histórias foram ouvidas durante as entrevistas do Parlatório Virtual, realizadas pela equipe do Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM) da Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR). Ao lado do Núcleo de Política Criminal e Execução Penal (Nupep) elas atuam no projeto Desinstitucionalização Responsável.

Durante os trabalhos no Complexo Médico Penal (CMP), os profissionais encontraram – dentre os 243 internos em medida de segurança – 31 pessoas com alvará de soltura expedido pela Justiça, 16 delas com a liberdade concedida há mais de um ano. Outras 11, poderiam estar livres há 10 meses; quatro a menos tempo. São os asilares, presos com problemas psiquiátricos e com vínculos familiares rompidos.

Entre os asilares registrados pela Defensoria Pública no CMP estão: “pessoas com grave situação de saúde, sem a devida atenção médica, agravada pelas precárias condições de higiene; pessoa condenada por roubo de R$ 7, com histórico de situação de rua, que perdeu contato com seus familiares; pessoa cadeirante e muito debilitada”, conta a assistente social Tania Moreira, da DPE.

O órgão identificou “uma série de violações de direitos, dentre elas: ausência de acompanhamento sistemático por parte da equipe técnica do CMP; ausência de atendimento odontológico; sujeitos em condição de asilares nas mesmas celas de internos que ainda cumprem Medida de Segurança de internação; insuficiência de estruturas de camas e roupas de frio; ausência de lençóis; banhos exclusivamente com água fria; ausência de informações quanto à documentação pessoal, benefícios e curadores; ausência de informações referentes à família, tentativas insuficientes por parte da equipe em manter ou reconstruir os vínculos familiares; ausência de atividades fora da cela, mesmo antes da pandemia; problemas na escolta policial para realização de perícias e atendimentos em saúde; relato de agressões por repetidas vezes e medo de denunciar agressores”.

Direitos violados

Segundo a psicóloga Nayanne Costa Freire, do Nupep, “do ponto de vista psicológico a institucionalização promove um apagamento do sujeito. Lá ele não é escutado. Buscamos que a sociedade passe a enxergar nas pessoas em situação de sofrimento psíquico, em conflito com a lei, alguém com capacidade de criar laços sociais. Para que passem a não mais vê-los como objetos, para vê-los como sujeitos de direitos”.

Para a defensora pública Andreza Lima de Menezes, os problemas traduzem anos de políticas inadequadas. “Faltam duas coisas básicas na assistência do Complexo Médico Penal: avaliação médica e psicossocial e projeto terapêutico individual, para se ter algum planejamento para a alta. Para isso, precisamos buscar informações sobre estas pessoas, se já passaram por contato com a Rede, tentar rever os vínculos familiares. Não existe um tratamento padrão. Os processos terapêuticos são singulares. Mas precisamos ter uma atenção interdisciplinar para conseguir fazer com que todo os direitos que estão sendo violados sejam respeitados.”

Andreza ressalta que “mesmo que tenham a saúde mental comprometida ainda são seres humanos. Precisamos ouvir estas pessoas e saber quais alternativas devemos construir. Após a coleta de dados, começamos a fase de convocar os responsáveis por cada um, como os municípios. Alguns já sinalizaram o retorno deles, por meio do CREAS, um sistema de assistência social que precisamos utilizar.  Algumas famílias se dispuseram a receber de volta, mas com auxílio de uma assistência especial”.

O Plural pediu um posicionamento do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen/PR) sobre a situação dos asilares no CMP. Até o fechamento desta reportagem, não houve retorno.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima