Refugiados em Curitiba enfrentam o desemprego durante a pandemia

Apesar de terem direito a participar de programas sociais, falta de acesso expõe migrantes à vulnerabilidade social

“Em dezembro vou fazer três anos no Brasil e ainda não consegui emprego”, conta a congolesa Gloire Mvangi Nkialulendo, que vive em Curitiba com a irmã e a prima, ambas desempregadas. “Elas tiveram trabalho informal de cabeleireiras durante alguns meses, mas agora estão em casa. Dependem de mim.”

A renda de Gloire vem de programas sociais, como o Bolsa Família, e da bolsa de estudo que recebe da faculdade – ela é mestranda em Direito na Universidade Federal do Paraná (UFPR) – mas as contas estão apertadas. “Tem pelo menos aluguel, internet e luz. Preciso pagar essas coisas para ter conexão de internet e continuar frequentando as aulas on-line, mas é difícil.”

Ela não é a única estrangeira que sente os efeitos da crise econômica brasileira durante a pandemia. A Polícia Federal contabiliza 26.605 migrantes no Paraná, considerando apenas os que deram entrada na documentação até o fim de ano passado. Só em Curitiba são 9.939, além de outros 91 mil solicitantes de refúgios no Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). 

“O principal problema é a documentação”, expõe o haitiano Wilzort Cenatus, diretor executivo da União da Comunidade dos Estudantes e Profissionais Haitianos (UCEPH), associação que está acompanhando e prestando auxílio a 350 haitianos e 40 cubanos em vulnerabilidade neste período. “Muitas dessas pessoas estão nos bairros, nas periferias, e já estavam sem emprego ou trabalhando por dia. Agora, estão com dificuldade de conseguir o Auxílio Emergencial ou uma cesta básica, qualquer ajuda.”

Falta acesso

“A situação dos migrantes em Curitiba é bastante complexa e muito injusta”, avalia Tatyana Scheila Friedrich, coordenadora do Programa Política Migratória e Universidade Brasileira da UFPR. Segundo a professora, durante a crise do coronavírus ficou ainda mais claro que os migrantes e refugiados têm direitos, mas não têm acesso. 

“Eles podem receber Auxílio Emergencial, Bolsa Família, Comida Boa e outros programas”, explica. “O problema é que todas essas ações são desenhadas sem se levar em consideração que a gente tem uma parcela de migrantes e refugiados na nossa população.”

O desafio vai muito além do idioma. “O RG do migrante se chama RNM (Registro Nacional Migratório), e esse documento tem números e letras, mas alguns sistemas não aceitam letras, porque tomam RG como base. Outro problema comum é dar erro no nome da mãe, já que vem de outro idioma e às vezes existem pequenas diferenças no registro do refúgio”, exemplifica. “São situações que acabam deixando essas pessoas, que já são vulneráveis, em estado de maior vulnerabilidade.”

A quem recorrer

O Ceim (Centro de Informação para Migrantes, Refugiados e Apátridas do Paraná) realiza um trabalho humanizado, capacitado a prestar informações adequadas a cada realidade. Alguns buscam regularizar a documentação, outros buscam emprego. Também procuramos parcerias para que sejam inseridos no sistema de saúde do Estado, em atividade laboral, capacitação técnica e estudo da língua portuguesa”, esclarece Silvia Cristina Xavier, coordenadora da Política de Direitos Fundamentais dos Migrantes Refugiados e Apátridas do Paraná.

O Plural solicitou dados de estrangeiros no mercado de trabalho à pasta, mas a servidora garante que o setor não tem esses números. Ela acrescenta que assumiu o cargo há menos de um mês e pretende implantar novos processos para colher informações que possam ajudar a entender o panorama dessa população no Paraná. Durante o isolamento, o Ceim está atendendo apenas por telefone: (41) 3224-1979.

Com a documentação regular, o migrante pode procurar os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) para acessar direitos. “Ele será atendido de forma individual, fará o Cadastro Único e, se estiver dentro dos critérios de renda, poderá receber benefícios de algum programa de transferência de renda”, informa a Diretoria de Proteção Social Básica da Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS), Cíntia Aumann.

Durante a pandemia, os 40 CRAS de Curitiba seguem abertos  – de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h – mas apenas para atendimentos emergenciais. “Recebemos requisição de alimentos e material de higiene, que entregamos mediante avaliação. Também fazemos a inscrição do CadÚnico.”

Hoje, Curitiba tem 2.478 famílias de estrangeiros dentro do Cadastro Único do Governo Federal. Entre elas, 274 procuraram o órgão durante o isolamento. Ao todo, 1.006 famílias recebem o Bolsa Família. 

Como ajudar

A associação UCEPH pede ajuda à população para continuar distribuindo cestas básicas aos haitianos e cubanos. Alimentos e materiais de higiene e limpeza podem ser doados.

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