“Não compactuamos com as depredações”, defende organização do ato antirracismo

Movimento diz que o protesto deveria ter acabado na Praça Santos Andrade

Na noite de segunda (2), o movimento Vidas Negras Importam convocou um ato de repúdio ao racismo, que aconteceu na Praça Santos Andrade, no Centro de Curitiba. A Polícia Militar estima de 1,2 mil pessoas compareceram. Os organizadores defendem que o protesto deveria ter acabado no local onde começou, como planejado, mas a situação fugiu do controle. 

Protestantes resolveram fazer uma passeata até o Centro Cívico e, no caminho, houve depredação de bancos e do próprio patrimônio público. A PM interveio com bombas de efeito moral e tiros de bala de borracha. Oito pessoas foram levadas à delegacia, acusadas de vandalismo.

“Infelizmente tivemos alguns infiltrados que acabaram manchando o movimento, que era para ter sido pacífico. Isso com certeza está caindo em nós, mas não compactuamos com as depredações”, afirma a organização do ato.

Uma das principais preocupações dos organizadores estava em evitar expor a população negra à violência policial. Um estudante negro ouvido pelo Plural conta que foi abordado pela PM e acabou sendo acusado de atos que não foram seus, o que denota uma atitude racista. Ele preferiu não ser identificado.

“A polícia apareceu mandando todo mundo encostar na parede e assim fizemos. Uma mina branca encostou do meu lado, jogou a latinha de spray no chão e a chutou pro meu lado. Eu chutei de volta e discuti com ela, depois virei a cabeça pra parede e fiquei esperando ser revistado”, relata. “O policial apontou pra mim dizendo: você acha que eu não vi você chutando o spray pra cima dela?”

No dia seguinte à polêmica, o Plural conversou com a ativista Amanda Mendes, do movimento feminista de mulheres negras, que explica o que motivou o protesto e como ele se deu. Leia a entrevista na íntegra.

Plural: Como foi feita a organização do ato?

Amanda: A convocação foi feita pela internet, já prevendo todos os cuidados necessários, ou pelo menos o que era possível. Um pessoal foi mais cedo para fazer marcações no piso e foi destacada, a todo momento, a importância de todo mundo estar de máscara, levar álcool para passar com frequência e optar por roupas fechadas para ter poucas partes do corpo expostas. Também estava claro quais eram as instruções, desde a criação do evento: quem tivesse algum sintoma ou fosse do grupo de risco, que não comparecesse. Poderia cooperar de outras formas.

Plural: Quantas pessoas compareceram?

Amanda: Tinha, em média, 1.200 pessoas na Praça Santos Andrade.

Plural: Estava nos planos de vocês fazer uma passeata?

Amanda: A proposta era iniciar e encerrar na Santos Andrade, onde quem quisesse se manifestar pudesse falar, representando diversos lugares de fala, e é o que foi feito, o ato foi pacífico e ocorreu apenas na Praça Santos Andrade.

Plural: Por que vocês escolheram ir às ruas, mesmo com o cenário da pandemia?

Amanda: Nós estamos vivendo um momento muito difícil, por conta da forma como a pandemia está sendo tratada pelo governo, e a gente percebeu que, por mais que estivesse correndo riscos, continuamos correndo riscos todos os dias. Não poderíamos, neste momento, ser silenciados mais uma vez. A gente optou por correr esse risco, reunir essas pessoas e fazer com que a nossa voz seja ouvida.

Nós sempre queremos nos manifestar. A nossa vida, a nossa existência, já é um protesto, sempre foi. Fomos motivados pelo caso do George Floyd, nos Estados Unidos, mas principalmente queremos rebater a questão da violência policial aqui no Brasil. Quantos dos nossos jovens são assassinados todos os dias?

O objetivo era propor um ato onde as pessoas que se consideram antirracistas pudessem comparecer e dar voz à população negra, às mulheres pretas, onde a gente pudesse se expressar e colocar para fora o que nos deixa angustiados todos os dias. A gente tá cansado de ver os nossos morrendo.

Camila durante o ato. Foto: Arquivo Pessoal

Plural: Como a sociedade em geral pode colaborar com a causa?

Amanda: A gente entende que esse sistema hegemônico branco que a gente ainda vive só vai ser quebrado a partir do momento que a população branca se autodeclarar, de fato, antirracista e começar a utilizar do seu privilégio branco para que atitudes sejam tomadas.

Nós, como pessoas pretas, colocamos a nossa visão de mundo, o que acontece com os nosso irmãos, e a gente até faz demais, querendo explicar, deixando tudo mais evidente. Mas a gente precisa que os brancos utilizem seu privilégio para assumir a linha de frente e cobrar medidas. A gente precisa que a população branca se instrua e entenda qual é a história do nosso país, como herdamos esse racismo estrutural e como isso está enraizado na nossa sociedade.

Isso faz com que a gente não tenha oportunidade de sermos reconhecidos como profissionais, como bons artistas; faz com que faltem vários negros em cargos de liderança, em profissões que são importantes para a construção da nossa sociedade; e quando isso acontece, a gente precisa que esses profissionais sejam valorizados.

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