Há registros milenares de seu uso por comunidades ao redor do mundo e foi uma das principais matérias-primas de velas e cordas das caravelas que chegaram às Américas no século XVI. Agora, depois do ostracismo forçado pela guerra travada contra as drogas, o cânhamo, uma das três frentes da indústria da cannabis, volta a chamar atenção das empresas atentas aos apelos por políticas mais sustentáveis.
Foi justamente a tentativa de atrair um nicho de consumidores mais engajados que fez uma empresa de Curitiba estudar e projetar o uso da fibra da maconha na confecção de cabo de celular. Em abril, a Händz, especializada em produtos para dispositivos móveis, lançou o produto no mercado e tem visto crescimento diário na procura, uma surpresa para quem esperava resistência por causa do estigma associado à origem do material.
“Cânhamo não tem princípio psicoativo, então, por mais que você pegue duzentos cabos e queira fazer alguma coisa fora da finalidade que é carregar celular, não vai dar certo”, brinca o idealizador da proposta, o curitibano Rodrigo Lacerda.
Embora também extraído da cannabis sativa, o cânhamo não contém THC, o componente alucinógeno da planta presente na maconha. Mesmo assim, seu cultivo ainda é proibido em diversos países, inclusive no Brasil. O novo apego da indústria ao produto impulsionou a China a se tonar polo do subproduto, e é de lá, de um projeto particular, que vêm os cabos hoje oferecidos pela Händz.
As cepas que resultam nas fibras são de forte resistência e, segundo a Associação Latino-Americana de Cânhamo Industrial (LAIHA, sigla em inglês), a produção da matéria-prima está associada a debates valiosos ao tema da sustentabilidade, como redução na emissão de dióxido de carbono, melhora nas condições do trabalho no campo e erradicação das plantações ilícitas. Daí o valor recuperado pela indústria.
Em 2017, uma das principais marcas internacionais de jeans, a Levi’s, anunciou uma linha de roupas sustentáveis feitas com fibra de cânhamo, mesmo material que já tinha popularizado um modelo de tênis da alemã Adidas na década de 1990, o Hemp.
Hemp, aliás, foi o nome escolhido pela marca de Curitiba para batizar seu novo produto, que, além da fibra da maconha leva também fibra de trigo na composição. O acessório é vendido em três modelos diferentes – o lightning pra USB e Type C, típicos do sistema operacional da Apple, e Type C pra USB, uso geral dos Androids – e carrega mais uma das apostas da empresa para atingir um público ao mesmo tempo exigente e mais consciente.
Apesar do receio com possíveis repercussões negativas atreladas ao negócio, o empresário diz estar surpreso com a resposta dada pelo público até agora.
“A gente pegou públicos que não atingia antes, de pessoas engajadas com a parte sustentável, com a causa da cannabis, que entendem que o nosso produto tem uma garantia e uma qualidade embutida muito superior ao plástico”, diz Lacerda. “Começamos focando em um público, mas acabou agregando tanto que hoje é bem abrangente”.
Os preços dos modelos Hemp variam de R$ 64 a R$ 159 no site da empresa, que já vinha focando em insumos alternativos, como cortiça e bambu, para a produção de carregadores e caixas de som wireless. O sucesso mais recente da marca deve impulsionar outros projetos daqui para frente, como projetos de power banks solares e produtos à base de garrafas pet.
Vai ter gente fumando cabo de celular ligado na tomada.