Atamai Moraes, médico e colaborador do Plural, morre aos 27 anos

Moraes morreu na madrugada de domingo (23), durante plantão Santa Casa de Prudentópolis

“Exerço a medicina hoje pela honesta solidariedade”, escreveu em uma de suas colaborações ao Plural o médico curitibano Atamais Moraes. Prestes a completar 28 anos, o jovem profissional morreu na madrugada deste domingo (23) enquanto cumpria escala de plantão na Santa Casa de Prudentópolis, segundo o Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR). A causa teria sido infarto, informou a entidade em nota de pesar pelo ocorrido, publicada nesta segunda (24).

O hospital onde Moraes trabalhava afirmou à reportagem que não iria se manifestar. A perda gerou uma onda de comoção entre colegas de profissão – à qual Moraes se dedicava com uma vocação passional. Formado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em julho de 2019, menos de um ano depois já enfrentava a batalha contra a covid-19 na linha de frente dos atendimentos, por ele comparado aos campos de batalha dos clássicos filmes de guerra.

Dentro das UTIs, viveu a intensidade e a pressão do momento à exaustão. Reconheceu a existência de um movimento de “aniquilação da saúde mental dos profissionais médicos e colegas de enfermagem”, mas tomou para si o colapso emocional como consequência de um combate diante do qual nunca hesitou recuar.

“Quando diretores e chefes me solicitam para esticar em mais doze, vinte e quatro, trinta e seis, quarenta e oito (…) horas e, sem perceber, passamos de cento e vinte, cento e trinta e duas horas por semana, eu lhes garanto; em nada – absolutamente nada – há correlação com dinheiro, mas sim solidariedade”, escreveu em texto publicado neste jornal em 26 de março de 2021. Aquele foi o mês com o maior número de mortes no Brasil durante toda a pandemia.

Uma pandemia em que, de seu posto médico, viu milhares adoecerem, e na qual, de seu posto de entusiasta da saúde pública, viu um país enfraquecer. Defensor dos ideais de igualdade e da justiça social – há pouco, havia se formado em Direito pela PUC –, denunciou o intolerável, o negacionismo, a conspiração e a ignorância. Em janeiro de 2021, quando o Brasil se dividia como um cabo de guerra opondo vacinas a tratamentos de ineficiência comprovada pela mais alta corte de pesquisadores ao redor do mundo, lamentou a ingerência e as 200 mil mortes provenientes dela (hoje um número quase 3,5 vezes maior).

“Não posso falar de sua passagem neste plano sem falar da pandemia que mudou o mundo para sempre. Em meio ao caos, não pestanejou em colocar a própria vida em risco, mesmo quando pouco se sabia sobre o vírus, para cumprir seu papel como médico, sem poupar esforços para tentar salvar a vida de tantos seres humanos e histórias de vida precocemente abreviadas que cruzaram seu caminho”, escreveu ao Plural Beatriz Figueiredo, advogada, estudante de Medicina e amiga de longa data.

“Era um amigo que sempre estava lá para te ajudar em tudo o que você precisasse. Uma informação, uma fonte, um contato ou uma consulta, nem que fosse no meio da madrugada”, relembra o também amigo Plínio Lopes.

Nas palavras de Figueiredo, Moraes “viveu intensamente, como se soubesse que o tempo que tinha passaria num sopro. E destacava-se pela autenticidade e pela dedicação sem hiatos para “acudir aqueles tantos que tiveram o privilégio de serem chamados de seus amigos”. “Assim, conheceu como poucos a fragilidade e fugacidade da vida humana, presenciando a dor daqueles que partiram e a de tantos mais que perderam seus amores, como humano que era”.

Uma leitura íntima. “Sem o apreço empático pela vida humana, a medicina se esvazia de propósito”, escreveu certa vez o amigo, de quem o legado agora também é inspiração.

Lopes, que é jornalista, recorda da ocasião de uma entrevista em que Moraes desabafou sobre a morte de um paciente de 26 anos. “Ele me disse que perder um paciente com a idade dele era particularmente cruel porque ele era tão jovem e os sonhos tinham se interrompido. E agora os de Atamai também foram. Mas espero que ele tenha conseguido viver muitos sonhos enquanto esteve por aqui”.

O corpo de Atamai Caetano Moraes, filho de Luiz Augusto Moraes e Marta Cristina Wachowski, foi cremado nesta segunda em cerimônia restrita aos familiares.

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10 comentários em “Atamai Moraes, médico e colaborador do Plural, morre aos 27 anos”

  1. Marta Cristina Wachowicz

    Atamai foi uma pessoa que desde menino tinha muitas atenções e curiosidades com as coisas da vida. Quando decidiu fazer medicina meu coração ficou aflito, pois sei que é uma carreira de extrema dedicação, mas sua escolha foi em função de buscar entender as causas que levaram o próprio pai também falecer muito cedo de câncer. Tenho certeza que foi um médico que buscava estar com as pessoas e ajudá-las a vencer suas doenças. Atamai sempre estará presente em meu coração.

  2. Lamentável. Conheci o dr. Atamai pessoalmente e tive oportunidade de trocar ideias com vários de seus colegas, ele era sempre lembrado e mencionado por todos. Alunos de medicina e direito sempre comentavam efusivamente os textos que ele publicava nas redes sociais. Um jovem sagaz, com um estilo literário próprio e um domínio peculiar da língua portuguesa, que estudou em Harvard e apreciava moderadamente um bom vinho (e sempre fazia outros apreciarem também, hehe). Tenho várias boas histórias dele na época dos plantões na faculdade e na residência. Me admira um rapaz tão jovem e sem vícios ter sofrido um infarto fulminante, o que será que aconteceu?

  3. Que Deus conforte os familiares e os amigos do Dr. Atamai. Muito triste a perda do jovem médico. Pelo perfil profissional e ético, todos perdemos uma joia rara.

  4. Tristeza imensa … Me solidarizo com a mãe, minha amiga Marta , neste momento tão difícil… O Jovem demais, brilhante e dedicado… Uma perda inestimável..

  5. Paulo Roberto de Andrade Mercer

    Triste. Muito triste ! Tão jovem e com um futuro brilhante pela frente. Foi meu aluno na UFPR e lembro perfeitamente do Atamai Moraes, no Estágio de Ginecologia / Obstetricia / Reprodução Humana ( último ano do Curso de Medicina), no Hospital de Clínicas. Já mostrava ali o perfeito perfil de humanismo de um jovem bem preparado para exercer a profissão.. Que DEUS o receba em paz e conforte seus familiares . Paulo Mercer

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