“Umbanda sem paredes”: Mãe Lucília fala de como a religião se reinventou em 2020

A dirigente do Pai Maneco conversou com o Plural sobre as mudanças profundas que vivenciou durante a pandemia e reforçou um conselho de Umbanda: a prática da caridade

Lucília Guimarães – ou Mãe Lucília de Iemanjá – dirige o maior terreiro de Umbanda de Curitiba há 30 anos, desde que o pai desencarnou: o famoso Pai Maneco. A casa, que fica no bairro Santa Cândida, estava habituada às giras lotadas, mas no último ano o cenário foi muito, muito diferente. 

“A espiritualidade está muito quieta, eles não falam da pandemia. Não só no Terreiro do Pai Maneco, mas num geral. Não tem uma mensagem, sabe?”, disse. “A única coisa que teve foi um aviso, no fim 2019, quando uma entidade, um caboclo de Ogum chamado Seu Sete Ponteiras do Mar, falou que nós deveríamos, a partir daquele momento, ter uma conexão direta com o espírito, independente de dirigentes, porque a gente estava entrando numa nova fase chamada Umbanda sem paredes.”

Mãe Lucília contou à reportagem que, na época, não entendeu o que aquilo queria dizer, mas com a chegada da pandemia, a mensagem fez bastante sentido, porque foi preciso se reinventar dentro da religião. “Acho que o ano de 2020 foi muito importante nesse sentido, foi a desconstrução de tudo o que a gente fazia. Principalmente na Umbanda, que é tão coletiva. A gente sempre estava em corrente, um do lado do outro, fazendo atendimento no pé da orelha… E durante seis, sete meses, fizemos mesmo a Umbanda sem paredes.”

O Pai Maneco chegou a abrir para trabalhos quando a cidade estava com a Bandeira Amarela, mas mesmo o formato da gira foi bastante modificado. “A corrente já não existia mais. A gente desenhou quadrados no chão, com distanciamento de 2,5 metros, e cada um ficou no seu quadrado. Com escudo facial e todos os cuidados, graças a Deus a gente conseguiu não ter contágio dentro do terreiro.”

Foto: George Naday

A assistência precisou passar o ano longe, pelo menos de corpo físico. Os nomes para trabalhos eram enviados via Instagram – cerca de 400 por dia. “Uma coisa que me chamou muito a atenção foi a quantidade de pessoas querendo tirar a própria vida. A cura de doenças sempre foi o maior motivo para nos procurarem, mas isso quase não apareceu. Desemprego e suicídio demandaram muito da espiritualidade este ano.”

Outro rezo da casa foi pelos cientistas. “A gente pediu muita ciência, foi uma oração muito grande do Terreiro do Pai Maneco. Mandamos vibração pra essas pessoas encontrarem uma saída para todos nós.”

“De certa forma, acho que foi um degrau que a gente alcançou, porque a gente se conectou de uma forma diferente com os guias e isso resultou em conhecimento, evolução. Apesar de toda a dificuldade, também acho que foi um momento importante de interiorização de cada um”, refletiu.

Natal e caridade

“O Natal é cristão, é mais uma invenção da Igreja Católica, mas eu também sou cristã, acredito em Natal e nessa coisa da força de renascimento”, falou Mãe Lucília. “Eu acho que este ano a maioria quer estar com os seus intimamente, não estamos tão ligados nos presentes. Será algo mais afetivo e menos materialista.”

A dirigente também não aconselhou fazer trabalhos em casa nessa data. “Eu lido muito com os espíritos, mas acho que a nossa maior magia é a força de pensamento. Se você está feliz e tem prazer na vida, não tem magia que te pegue. O melhor antídoto para espíritos ruins é ter um pensamento superior, então a minha orientação é manter bons pensamentos.”

Para ela, este é o momento de firmar os aprendizados do desafiador 2020 para não repetir os mesmos erros no próximo ano. “Eu acho que nunca mais seremos os mesmos. E espero que não se perca essa coisa tão importante que a gente aprendeu que é a empatia, a solidariedade. Que fiquemos com esses valores enraizados.”

O amor ao próximo também é a principal lição da mãe de santo. “Eu gostaria muito que o umbandista se apegasse na palavra principal da Umbanda: a caridade.”

Sobre o/a autor/a

3 comentários em ““Umbanda sem paredes”: Mãe Lucília fala de como a religião se reinventou em 2020”

  1. Jorge Eduardo França Mosquera

    Fernando Guimarães, pai da Lucília Guimarães, faleceu há uns dois anos. Ele era o principal pai-de-santo do terreiro Pai Maneco, a entidade homenageada.

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