Rosy dedicou 70 anos ao jornalismo, mas foi bem mais do que isso

Nascida em Curitiba, Rosy visitou mais de 90 países

Rosy de Sá Cardoso gostava de seu nome: dizia que o “R” indicava personalidade forte Mas quase que ela acabou tendo um nome bem diferente, segundo ela mesma contava. Em 1925, logo na época em que ela nasceu, Curitiba estaria ganhando as primeiras ruas asfaltadas (ou pelo menos era isso que ela dizia), e alguma tia sugeriu que a menina deveria ter um nome moderno: Asfaltina. Por sorte, não colou.

Nos 95 anos de vida, um nome exótico talvez tenha sido a única inovação que não coube a Rosy – o resto ela fez. Em 1947, aos 21 anos, se tornou a primeira mulher jornalista de Curitiba. Falava sempre que quando entrou pela primeira vez na redação do Estado do Paraná, descobriu que não existia banheiro feminino. E por que haveria?

A carreira como jornalista foi longa e produtiva, mas não foi sua primeira. Antes, a menina nascida em Paranaguá, cidade pela qual era apaixonada, já tinha sido cantora de rádio. Fazia participações ao vivo cantando boleros e usando apenas um nome, uma espécie de Cher dos anos 40. O locutor anunciava apenas “Rosy”, e o alto-falante soltava a voz da jovem cantora.

Muitos anos depois, quando foi chamada a entrar na Gazeta do Povo, ela saberia que seu novo empregador, Francisco Cunha Pereira, que tinha mais ou menos a mesma idade, gostava de ouvi-la cantando no rádio. Ficava orgulhosa de dizer que o doutor Francisco fez o convite pessoalmente para que ela escrevesse na Gazeta – e brincou que ia ter de aumentar a tiragem.

Na Gazeta, comandou por muitos anos o caderno de Turismo. E como viajou dona Rosy. Foram mais de 90 países – a trabalho ou a passeio. Viajava loucamente, conhecia tudo, falava idiomas, e escrevia sobre tudo. Um repórter mais novo perguntou a ela sobre a viagem que faria ao Japão, para saber se ela tinha dicas. Ela respondeu: “Curioso, você vai justo na primavera, a única estação que eu nunca peguei por lá.”

Mesmo depois dos oitenta anos, não parava quieta. De repente invocava de ir para os Emirados Árabes durante o ramadã e saía descobrindo jeitos de driblar as restrições impostas às mulheres. Nunca foi de se dobrar a convenções, não ia ser na velhice.

Em Curitiba, dizem que foi uma das primeiras a andar de calças compridas pelo Centro. Dizia que isso não era mérito nenhum. “Fazia frio, por que eu não ia usar calça?” E pronto, estava explicado.

Não era só as convenções que ela enfrentava. Apesar do respeito que tinha por algumas pessoas, como o próprio Francisco Cunha Pereira, não tinha trava na língua com os poderosos. Nem teria por que: conheceu a política por dentro, desde que trabalhou no governo de Manoel Ribas, o Maneco Facão, ainda durante o período de Getúlio Vargas.

Já no fim da carreira, ainda na redação da Gazeta, perto dos 90 anos, era assediada por todo político que visitava a redação. Numa série de sabatinas entre os candidatos a prefeito, foi a única pessoa da redação que todos foram cumprimentar – e nem todos saíram de lá com o que queriam. Um deles perguntou sobre o avô, também político, com quem Rosy trabalhou décadas atrás. “Era bom governante?” perguntou o incauto. Rosy, com a frieza de sempre, deu alguns segundos de silêncio constrangedor que disseram tudo. E depois arrematou: “Não me lembro mais.”

Solteira a vida toda, viveu sempre ao lado dos dois irmãos. Quando eles partiram, muito antes dela, passou a morar sozinha num hotel. Isso gerava alguns sustos, como na vez em que ela caiu, bateu a cabeça e ficou dentro do apartamento sem ter quem a atendesse, já lá pelos 90. Um amigo que checava como ela estava foi quem. encontrou Rosy lá onde tinha caído.

A fragilidade da saúde veio só no fim da vida. Antes disso, Rosy andava para lá e para cá sozinha e dirigindo numa velocidade peculiar para alguém de sua idade. Comprava brigas com quem fosse, ranzinzava, e gostava de continuar trabalhando.

Sempre arranjava um pretexto para falar mais uma vez de Paranaguá, como num texto que fez para discutir se era ou não possível chamar os locais de paranaguenses. Um assunto que para 99% dos leitores não dizia muito, mas que ela, como guardiã da cidade, achava que tinha que estar no jornal.

Na redação, não havia quem não gostasse dela, mesmo as vítimas de seus comentários mais francos. Era não só a memória viva da cidade e do jornalismo, mas também uma voz de sensatez. No fim da carreira, já não tinha mais muita função no jornal, mas insistia em ir toda manhã para a redação. Pegava carona com a dona do jornal, Ana Amélia, que tinha sido estagiária na época de estudante. Ajudava na revisão e no que mais pudesse. Só quando a Gazeta deixou de funcionar no Centro e passou para o Tarumã ela parou de ir à redação.

Nesta semana, enfim foi vencida pela idade e pela doença. Morreu aos 95 anos, dos quais setenta dedicados ao jornalismo.

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