Enquanto o PL do Veneno avança, 17% das hortaliças consumidas no PR já contêm agrotóxicos proibidos

Relatório da Secretaria de Saúde revela que pimentão e morango são os alimentos mais contaminados

Enquanto o chamado Pacote do Veneno avança no Congresso, documento da Secretaria de Saúde do Paraná mostra que quase 17% dos alimentos de origem vegetal consumidos pelos paranaenses já contêm agrotóxicos proibidos ou em quantidades acima do permitido por lei.

Os dados constam no relatório do Programa Estadual de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), publicado em 2020, o mais recente disponível. Ao todo, foram analisadas 721 amostras de alimentos de origem vegetal representativos da dieta da população paranaense: 87 delas foram consideradas “insatisfatórias” por conterem pesticidas não autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou por extrapolarem o Limite Máximo de Resíduos, fixado por lei.

As amostras foram coletadas entre setembro de 2018 e setembro de 2019 nas unidades do Ceasa no Paraná e nas escolas da rede estadual de ensino nos municípios de Araucária, Cascavel, Chopinzinho, Colombo, Curitiba, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá, Pato Branco, Pinhais, Ponta Grossa e São José dos Pinhais.

Os alimentos analisados foram abobrinha, alface, abacaxi, banana, batata, brócolis, beterraba, cenoura, cebola, chuchu, couve, couve-flor, farinha de milho, farinha de trigo, goiaba, laranja, limão, manga, mamão, maçã, melão, morango, pepino, pimentão, repolho, tangerina, tomate e uva.

As amostras de morango e pimentão encontrados nas unidades do Ceasa foram classificadas com o nível de “risco crítico”, o mais alto da escala, para a saúde humana. Já tomate, uva, beterraba e couve apresentaram “risco alto”. Os únicos alimentos com “risco baixo” foram farinha de milho, banana, melão e repolho. Os demais foram apontados como “risco moderado”.

“A classificação em risco crítico ou alto pode ter maior correlação com a possibilidade de causar efeitos adversos à saúde da população se consumidos continuamente”, concluiu o relatório ao atribuir a alta concentração de pesticidas à falta de adoção de boas práticas agrícolas.

O temor entre especialistas e defensores do meio ambiente é que o PL do Veneno, que na semana passada foi aprovado na Câmara dos Deputados por 301 votos a favor e 150 contra, agrave ainda mais o cenário.

A chef Paola Carosella, por exemplo, foi ao Twitter expor sua indignação: “Com tantas urgências em curso no Brasil, a quem interessa votar um projeto grave como esse, que libera mais agrotóxicos? Quem lucra com isso? O PL 6299 não é aceito pela sociedade e os deputados deveriam estar preocupados em salvar vidas. #NãoAoPacoteDoVeneno”.

Pacote do Veneno é como ficou conhecido o Projeto de Lei 6.299, de 2002, que trata da pesquisa, comercialização, registro e fiscalização de agrotóxicos. A proposta altera a Lei 7.802, de 11 de julho de 1989, em vigor atualmente. O relator do texto, que agora volta ao Senado, foi o deputado Luiz Nishimori (PL-PR).

“Ao enfraquecer a legislação atual, o Pacote do Veneno aumentará ainda mais a quantidade de agrotóxicos no Brasil, permitindo a liberação de substâncias cancerígenas e proibidas em outros países. Quem sofrerá com isso tudo não somos apenas nós, mas toda a geração futura”, criticou Greenpeace, logo após a aprovação na Câmara.

Segundo Victor Pelaez, professor de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o projeto de lei é um retrocesso e uma concessão ao lobby do agronegócio porque retira Anvisa e Ibama (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais) do processo que libera o uso de pesticidas no país. Se aprovado no Senado e sancionado pelo presidente, o PL concentrará no Ministério da Agricultura o poder de autorização de novos agrotóxicos.

“O atual modelo tripartite vai ser substituído por um modelo onde o poder se concentra no Ministério da Agricultura que historicamente é alinhado ao agronegócio e segundo o qual não pode haver limitações a uso de agrotóxicos”, explica Pelaez.

O especialista lembra que quando foi aprovada em 1989, a atual legislação estava à frente do seu tempo e avançada em relação ao resto do mundo. Segundo Pelaez, o Brasil vem há anos abrindo a porteira para uso de agrotóxicos que estão proibidos nos Estados Unidos e União Europeia e esse afrouxamento constante deve elevar a probabilidade de encontrar concentrações cada vez mais altas de pesticidas nos alimentos nos próximos anos.

No Paraná, a tendência já é de alta. De acordo com o PARA, “ao comparar as detecções de resíduos de agrotóxicos com anos anteriores, percebe-se um aumento significativo” Em 2016 foram 798 detecções em 334 amostras; em 2017 foram 1096 detecções em 468 amostras e no período 2018-2019, 1241 detecções em 515 amostras.

A média de detecção de resíduo de agrotóxico por amostra analisada também cresceu. Em 2016 foram 2,39 agrotóxicos por amostra; em 2017, 2,34 e no período 2018-2019 foram 2,41. Além do aumento do número de detecções aumentou também o número de princípios ativos diferentes detectados. Em 2016 foram 60, em 2017 também 60 e no período 2018-2019 foram 80 princípios ativos de agrotóxicos.

Em alta está também a liberação de agrotóxicos no país. Em 2021, 562 novos agrotóxicos foram autorizados, estabelecendo o maior número da série histórica iniciada em 2000 pelo Ministério da Agricultura. O volume foi 14% superior ao de 2020, quando 493 pesticidas foram liberados. Desde 2016, os registros crescem ano a ano.

Em nota, a Secretaria de Saúde do Paraná informou que os laudos insatisfatórios identificados no relatório são enviados para as Vigilâncias Sanitárias municipais para que verifiquem o ocorrido e abram “Processo Administrativo Sanitário que pode resultar em punições de acordo com o Código Sanitário do Paraná” e também para outros órgãos para a tomada de providências: Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná), Idr (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná), Vigilâncias Sanitárias estaduais, caso os agrotóxicos sejam de outros estados, e por fim ao Centro Operacional das Promotorias de Defesa do Consumidor “para abertura de notícia de fato e inquérito civil, se for o caso”.

Sobre as 20 amostras insatisfatórias coletadas nas escolas – isto é 9,71% do total – por conterem resíduos de agrotóxicos não autorizados ou em níveis acima do permitido por lei, a Sesa informou que “o agricultor, a cooperativa ou a associação dos agricultores podem perder o contrato ou ainda serem impedidos de participar da chamada pública dos alimentos destinados à merenda escolar”.

O próximo relatório, que contempla o ciclo 2019-2021, deverá ser divulgado a partir de julho deste ano, após o programa ter sido interrompido em 2020 em razão da pandemia.

Como se defender dos agrotóxicos à mesa

O relatório do PARA aconselha os paranaenses a seguirem algumas recomendações com o objetivo de diminuir o risco da exposição aos agrotóxicos:

  1. Consuma alimentos de época. Nestes alimentos geralmente o uso de
    agrotóxicos é menor em razão das condições climáticas que favorecem o cultivo.
  2. Busque as informações contidas nos rótulos dos alimentos para ter conhecimento de quem os produziu e como foram produzidos, pois em caso de problemas ou irregularidades estas informações são necessárias para a devida rastreabilidade, busca por orientação, esclarecimento de dúvidas e possível responsabilização.
  3. Valorize a aquisição de produtos hortícolas diretamente do produtor rural em
    locais onde estes realizam a venda (feiras, pontos de venda e sacolão direto do produtor).
  4. Lave bem os alimentos antes de consumi-los. Retire as cascas dos alimentos
    sempre que possível. Esta prática não elimina os agrotóxicos que estão no interior dos
    alimentos, mas pode diminuir a quantidade dos resíduos de agrotóxicos que estão
    aderidos às cascas.
  5. Consuma alimentos orgânicos e agroecológicos, pois estão livres de
    contaminação por agrotóxicos. Especial atenção deve ser dada para os grupos
    vulneráveis da população, como crianças e adolescentes, idosos, gestantes ou indivíduos
    com comorbidades.

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