Presídio tem 20 presos com sintomas de Covid-19; TJ diz que isolamento é impossível

Sem equipamentos e com poucos médicos, enfermeiras se recusaram a cuidar de doentes; colega presidiário é quem faz atendimento aos suspeitos

Assistidos por um colega condenado, que circula de um pavilhão a outro, 20 presos com suspeita de coronavírus estão isolados no Complexo Médico Penal (CMP) de Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba.

A falta de estrutura e de profissionais para o atendimento da população carcerária levou o Tribunal de Justiça (TJ-PR) a cobrar do Estado medidas de prevenção à Covid-19 nas prisões. Ainda assim, a Secretaria de Segurança Pública (Sesp) assume não ter um plano de ação para combater a pandemia.

“Estamos tratando semana a semana, de acordo com as coisas que vão surgindo”, explica o secretário de Segurança Pública, coronel Romulo Marinho Soares.

A dificuldade de adequação às medidas propostas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi exposta ao TJ pelo próprio Departamento Penitenciário do Paraná (Depen-PR), em ofício de 17 de março de 2020. No documento – ao qual o Plural teve acesso com exclusividade – a diretoria do presídio, subordinada à Sesp, solicita ações preventivas contra o coronavírus e alerta que “é humanamente impossível realizar os atendimentos de saúde” na unidade.

Ofício enviado pelo Depen ao TJ. Foto: Plural.jor
Documento pede medidas preventivas. Foto: Plural.jor

Sem estrutura para internamentos ou doentes graves, o Complexo não possui médicos, policiais nem equipamentos de proteção suficientes, além de registrar muitos casos de tuberculose entre os detentos, o que aumenta os riscos de contaminação pelo coronavírus.

No texto, a diretoria do CMP explica que, dos 14 médicos, apenas dois estão na ativa, um clínico geral e outro psiquiatra, ambos com 20 horas semanais. “O reduzido efetivo, impactado pelo afastamento de relevante parte em decorrência da covid-19, não é capaz de prestar o atendimento médico necessário à população prisional atual, quiçá em caso de proliferação da doença viral, sendo imprescindível a adoção de medidas preventivas, como as propostas pelo Conselho Nacional de Justiça”, informa.

Procurado pela reportagem, o diretor do Depen, Francisco Caricatti, disse que quem deve dar as respostas aos questionamentos é a Sesp. “Nós apenas fazemos a indicação para a Secretaria, mas quem toma as decisões de quais unidades serão usadas para casos de contaminação ou quarentena é a Sesp. É ela quem bate o martelo.”

Preso cuida dos isolados

O Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução do Tribunal de Justiça (TJ-PR) constatou que o Complexo Médico Penal “não dispõe de equipamentos de proteção para o combate ao coronavírus, bem como, de estrutura para o devido isolamento social, sendo um dos presos responsável pelo atendimento dos casos suspeitos, frente à negativa dos agentes e enfermeiras”.

Despacho do GMF no processo da Vara de Corregedoria dos Presídios de Curitiba. Foto: Plural.jor

O desembargador Ruy Muggiati, coordenador do grupo, enfatiza que deve haver adaptações e que as ações devem constar em um plano elaborado pelo governo. “O protocolo sanitário é quem vai dizer quais são as urgências do momento. Ele deve ser apresentado esta semana pela Sesp e irá definir o que é necessário”, diz. “Mas tudo precisa ser cumprido à risca para não colocar ninguém em situação de contaminação.”

O caso foi parar em um processo na Vara de Corregedoria dos Presídios de Curitiba, com pedido de providências.

Plano de ação

O secretário de Segurança, Romulo Soares, confirmou ao Plural que os presos suspeitos estão em quarentena em uma galeria improvisada, porém, nenhum deles ainda foi testado para a doença. “Qualquer complicação já temos um protocolo para levá-los pra um determinado local, que será definido amanhã (22). Mas não há nenhum caso comprovado. Vamos aplicar os testes amanhã, se derem positivo vamos adotar um protocolo, que a Secretaria de Saúde vai estar reunida comigo amanhã pra ver o que vamos fazer.”

Soares reconhece que também não há procedimentos definidos sobre o transporte de detentos com sintomas graves. “Se eu tiver que tirar o meu pessoal de lá pra levar pra uma UTI, é uma experiência que ainda não vivi, então é outra forma de conduzir, pois envolve escolta, equipe especial; tudo isso vamos tratar amanhã, porque nestes 45 dias ainda não tivemos nenhum caso”, ressalta.

Sobre a falta de médicos, ele afirma que os afastamentos são por motivo de saúde, diz que quatro deles estão atuando e nenhum está contaminado pelo coronavírus. Mas nenhum também foi testado. “Vamos aplicar os testes nos nossos profissionais e a Secretaria de Saúde está de acordo. Já temos dois mil testes. Se tiver gente com problema, nós vamos tomar providência.”

A medida já adotada pela Sesp foi a suspensão de visitas aos presos e o recebimento das sacolas com mantimentos somente por Sedex, onde há vistoria detalhada e higienização dos itens.

A falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) já está sendo sanada, garante o secretário. “Vamos receber 50 mil máscaras amanhã, mais 400 mil que chegarão dia 27. Não falta álcool gel, já entregamos avental e, por dia, fabricamos 15 mil máscaras nos presídios do Paraná. Nosso trabalho é transparente.”

Falta informação e treinamento

O Sindicato dos Policiais Penais do Paraná (Sindarspen), porém, reclama de falta de informações. “Oficiamos a Sesp e o Depen solicitando, por duas vezes, o número de presos e policiais penais com sintomas ou com a doença confirmada. Mas não obtivemos a resposta”, aponta o presidente do Sindarspen, Ricardo Miranda.

Alguns policiais ouvidos pelo sindicato reafirmam que “o preso responsável (pelos suspeitos de covid-19) se movimenta entre o Hospital Penitenciário e o Complexo Médico Penal sem nenhum cuidado e podendo contaminar os outros. Estamos esperando o pior. Não temos nem orientação sobre como devemos proceder. Houve promessa da visita de técnicos da saúde, mas isso não se concretizou”.

“Caldeirão da Morte”

Complexo Médico Penal tem sete alas, 861 presos mas só dois médicos. Foto: Depen

O relatório do GMF mostra que o Complexo Médico Penal tem capacidade para 659 presos, mas abriga hoje 861, sendo 53 mulheres, muitas grávidas. Para lá, são encaminhados policiais militares e civis, detidos e condenados com distúrbios mentais, pessoas com tuberculose e sarna, cadeirantes, idosos, agressores de mulheres e os famosos presos do ‘colarinho branco’, como os políticos da operação Lava-Jato.

Muitos já conseguiram prisão domiciliar, por conta dos riscos da covid-19. Um deles conversou com a reportagem. “Todo mundo que fica doente no sistema é mandado pra lá. Tem um monte de presos com tuberculose, HIV, grupo de risco importante, sem estrutura suficiente, isolados em duas enfermarias do CMP. Aquilo é um caldeirão propício pra disseminação e morte”, conclui. “Há muito preso, pouca gente pra trabalhar, experiência zero de gestão, planejamento ruim. O coronavírus pegou todos despreparados. O que vamos ter é uma verdadeira carnificina.”

Pelo Brasil

O Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, é onde está a maior incidência de covid-19 em toda capital federal. Segundo dados divulgados nesta terça (21) pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (DF), são 91 os detentos confirmados com a doença; ontem eram 85. Já policiais penais infectados são 29 até o momento.

O Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro registrou a primeira morte de um detento em 15 de abril, no Instituto Penal Cândido Mendes na cidade do Rio. Era um idoso de 73 anos, que teve o pedido de prisão domiciliar negado pela Justiça.

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