Prefeitura volta a defender projeto que inibe refeições a moradores de rua

Em audiência pública, município falou que projeto não impede, mas regulamenta distribuição de comida na cidade

A prefeitura de Curitiba voltou a defender, nesta quinta-feira (22), o projeto de lei que inibe a distribuição de refeições para moradores em situação de rua. A discussão foi pauta de uma audiência pública virtual organizada pela Câmara Municipal para debater a proposta, costurada sem participação da sociedade civil e enviada aos vereadores em regime de urgência.

Representante do Executivo, o secretário de Segurança Alimentar e Nutricional, Luiz Gusi, deu indícios que o governo deverá manter o texto como está agora. Depois das polêmicas em torno de multas para quem distribuísse alimentos sem autorização, o prefeito Rafael Greca (DEM) voltou atrás e alterou a superfície do conteúdo. O novo texto suprimiu penalidades, mas manteve intocada a intenção de burocratizar e limitar serviços independentes de distribuição de refeições coletivas a moradores de rua.

“A lei não veda ninguém de distribuir alimentos, as iniciativas individuais. E destaco que não há imposição para a formulação de qualificação jurídica em momento nenhum”, afirmou o secretário, referindo-se ao projeto como um marco regulatório para transformar a política municipal do Mesa Solidária em programa de Estado. “Para essas pessoas diariamente envolvidas no trabalho do Mesa Solidária, já no dirigimos nas últimas semanas nos desculpando do nosso ato falho”.

Chuva de críticas

Mesmo com a nova caracterização, a proposta da prefeitura não avançou conforme o esperado e encontrou na audiência desta quinta um ambiente rarefeito. Da sociedade civil a instituições públicas, representantes defenderam a incursão de outras frentes de debate, inclusive a criação de um censo para mapear a população em situação de rua e balizar as políticas públicas na área.

Hoje, Curitiba não tem dados oficiais. Mas, nos últimos anos, conforme mostrou o Plural, a quantidade de famílias que passou a viver ruas cresceu em ritmo acelerado, saltando quase 1.000 % apenas de acordo com o Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), do Governo Federal.

“A previsão de multas não era o único problema vislumbrado. Percebe-se na exposição de motivos uma ausência de dados empíricos e elementos informativos na articulação das ideias, quando se fala, por exemplo, em evitar o desperdício de alimentos, controlar o acúmulo de resíduos orgânicos, rejeitos em logradouros públicos”, alertou Julio Duailibe Filho, coordenador do Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPEPR).

O Ministério Público Federal (MPF), representado pela procuradora Indira Bolsoni, alertou que a prática pode trazer empecilhos à alimentação de moradores em situação de rua. Adriana Oliveira, da iniciativa Marmitas da Terra, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cobrou que, ao invés de limitar, a administração coloque estruturas públicas a serviço das organizações. Atualmente, mais de 40 trabalham na distribuição de refeições na capital.

O Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (Comsea) falou em inconsistências e disse já ter começado a discutir internamente a proposta. Como órgão consultivo e deliberativo, a entidade se mostrou surpresa pelo fato de o projeto ter sido enviado aos vereadores sem um aval da equipe.

“Em uma análise previa, a gente vê algumas inconsistências. Mas antes a gente gostaria de ser provocado pela Câmara e que o projeto seja submetido ao conselho”, afirmou Tammy Kochanny, presidente do Comsea. “Curitiba está dentro deste sistema [Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional] e entendemos que um projeto de lei dessa magnitude tem que estar aberto ao diálogo para que todas a instâncias da política participem”.

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