FAS sugere usar Guarda Municipal para intimidar pessoas em situação de rua

Em áudio, Maria Alice Erthal, presidente da FAS, diz para servidores levarem guardas para provocar "um pouquinho de medo”

A presidente da Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba, Maria Alice Erthal, indicou o uso da Guarda Municipal para provocar “um pouquinho de medo” em pessoas em situação de rua espalhados por alguns pontos da região central da cidade. A sugestão foi dada por meio de áudio enviado a servidores da regional Matriz, em um grupo no WhatsApp, ao qual o Plural teve acesso.

Com cerca de um minuto, o áudio foi disparado para a equipe da FAS na manhã de uma sexta-feira. Não consta a data exata, embora a denúncia indique que o material começou a ser compartilhado na segunda-feira (21). A prefeitura não contestou nem comentou as declarações, mas defendeu que a presença da Guarda Municipal é imprescindível em algumas situações para “garantir a segurança das equipes de abordagem social”. “O apoio é necessário porque situações de ameaça e agressões são comuns do dia a dia das equipes”.

FAS

No áudio, a presidente da FAS não cita possíveis riscos para justificar a presença dos agentes. Ela pede aos servidores para que abordem dois grupos de pessoas em situação de rua, um deles concentrado na rua André de Barros, e outro, na Marechal Deodoro. À equipe, ela demonstra incômodo com a maneira como os grupos se acomodaram e determina que é preciso “tirar aquele povo dali”.

“Bom dia, equipe. Queria pedir para vocês passarem na André de Barros, ali perto da antiga rodoviária, que está cheio de gente dormindo, e aqui na Marechal Deodoro fizeram até uma cortina agora para não serem incomodados. Então, por favor, ali tem que tirar aquele povo dali”, diz.

Maria Alice Erthal

A presidente, então, sugere que seja acionada a Guarda Municipal para acompanhar o trabalho e amedrontar os moradores. “Se precisarem ir com a guarda… Não sei se vocês receberam alguma ordem de não tirar as pessoas, mas está um absurdo aquilo ali, sabe? Se vocês puderem… Não precisa tirar na marra, mas que vá a Guarda Municipal para eles começarem a ficar com um pouquinho de medo. Porque tá difícil, tá muito feio aquilo ali, tá bom? Qualquer coisa, estou à disposição”, finalizou Erthal, que assumiu a presidência da FAS em maio de 2022, depois de passar pela diretoria de Atenção à População em Situação de Rua, uma das principais frentes da entidade.

Maria Alice Erthal recebeu homenagem da Associação Comercial do Paraná pela FAS, em nome da primeira dama Margarita Sansone, em 2019. Foto: Daniel Castellano/ SMCS

A prefeitura não comentou o teor do áudio, mas, em nota, afirmou que “o atendimento à população em situação de rua é uma das prioridades da política da assistência social de Curitiba”. O documento continua: “Diariamente, são implementados projetos e programas que visam auxiliar esses indivíduos a superar essa condição, com destaque para a abordagem social, na qual educadores sociais interagem com as pessoas em situação de rua, informando sobre serviços disponíveis, principalmente abrigos com alojamento, higiene e refeições. Tudo para auxiliá-los a reconstruírem suas vidas”.

Sobre a necessidade da presença da Guarda Municipal nas abordagens, a nota diz: “Apenas na última semana, três equipes da abordagem social viveram momentos de tensão durante o trabalho”.

População em situação de rua

“A situação mais grave foi registrada no último sábado (19/8), às 17h20, quando uma educadora social foi agarrada pelas costas e ameaçada com um fragmento de vidro, na Praça Tiradentes, por uma mulher em situação de rua que possui transtornos psiquiátricos. A servidora registrou Boletim de Ocorrência. Ainda no dia 19, uma equipe do programa Anjos da Guarda, que faz abordagem social para garantir direitos e combater o trabalho infantil, teve o carro golpeado fortemente com uma clave de malabarismo por uma mulher que gritava agressivamente com a filha de 2 anos de idade. Ao ser abordada, a mulher, que segurava uma garrafa de bebida alcoólica, agrediu um dos educadores sociais, que na tentativa de contê-la, teve a calça rasgada e a boca cortada. A ocorrência aconteceu na Rua 13 de Maio, esquina com a Rua Barão do Cerro Azul, no Centro. Na última quinta-feira (17/8), às 8h, um educador social também foi xingado e ameaçado de morte por um homem que dormia em um ponto de ônibus da Praça Rui Barbosa e não gostou de ser acordado pela equipe que o abordava para oferta de acolhimento. O caso foi relatado à Guarda Municipal”.

Guarda Municipal

Apesar de em um dos trechos da gravação Erthal determinar que “tem que tirar aquele povo dali”, a remoção e o transporte compulsório de moradores em situação de rua é prática vedada.

Na segunda (21), o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para referendar decisão de julho do ministro Alexandre de Moraes que proibiu a retirada forçada da população em situação de rua, mesmo que seja para encaminhamento a abrigos. A medida vale tanto para estados quanto para municípios.

A decisão de Moraes acatou argumentos de uma ação protocolada pela Rede Sustentabilidade, PSOL e pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), segundo os quais a população em situação de rua no Brasil está submetida a condições desumanas de vida devido a omissões do poder público. O ministro ainda mandou o governo federal elaborar um plano de ação para implementar, de forma efetiva, a Política Nacional para População de Rua.

De acordo com a FAS, todas as ações da instituição “são realizadas com consentimento dos moradores em situação de rua e buscam integrá-los à rede socioassistencial da Prefeitura de Curitiba, assegurando direitos, reintegração social e familiar”.

Ouça o áudio completo, a seguir.

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4 comentários em “FAS sugere usar Guarda Municipal para intimidar pessoas em situação de rua”

  1. Excelente matéria. Revela o elitismo contido no terceiro setor e dentro do próprio Estado que deseja que essas pessoas simplesmente desapareçam, ao invés de reconhecer as mazelas sociais que promovem a miséria e decadência dessas pessoas.
    Que este meio de comunicação continue este trabalho necessário.

  2. Gostaria de comentar que sou solidária à população de rua e suas necessidades, ocorre que existe uma parte dessa população que simplesmente não atende aos apelos da FAS, e muitas vezes prefere ficar nas ruas a seguir as regras internas como tomar banho, dormir no horário etc… eu própria presenciei uma abordagem a uma mulher em embriagada que estava caída na sarjeta de um ponto de ônibus num dia de chuva torrencial, que recusou atendimento, ficou caída no ponto exatamente onde o ônibus recolhe os passageiros, atrapalhando a entrada das pessoas e o trânsito no local porquê o ônibus precisou parar fora do ponto ,essa mulher estava ( bêbada, vomitada e urinada) porém ,ficou ali porque não quis ir
    com a FAS.
    Quem sai prejudicado é a população trabalhadora que tem seu direito de ir e vir cerceado, sua segurança ameaçada e é obrigada a conviver num ambiente sujo e perigoso, com a presença de pessoas que não querem se enquadrar de forma alguma no meio social, o qual têm regras para todos. Não dá para passar a mão na cabeça o tempo todo, é preciso um trabalho sério para com moradores de rua ,mas,eles precisam colaborar também.

  3. CWB bike urbana Rafael Santiago

    Boa noite
    Angiele
    Acho que há Sra Maria Elice, foi infeliz em seu comentário.
    Há Guarda Municipal de Curitiba, hoje faz um trabalho em conjunto com a FAS, mas não para intimidar, e muito menos para provocar medo, até mesmo porque, não são assombração.O trabalho em si é somente para resguardar ambas integridade, tanto do Agente da FAS que efetua abordagem para atendimento, quanto da pessoa em situação de vulnerabilidade.
    Espero aqui ter sanado alguma dúvida…
    Obrigado desde já pela sua atenção.

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