Entenda a gravidade do projeto que pretende abrir a Estrada do Colono

Ao permitir a construção de estradas em unidades de conservação e parques nacionais de todo o Brasil, o projeto fere a Constituição Federal

Todo ano eleitoral, o fantasma de uma antiga estrada ilegal que cortava ao meio o Parque Nacional do Iguaçu retorna a pauta do Congresso. Agora é a vez de um Projeto de Lei de 2013 ser retirado da gaveta pelo senador Álvaro Dias (Podemos-PR). O PL 61/2013 é de autoria do agricultor e deputado federal Assis do Couto (PDT-PR). A proposta, em teoria, cria a categoria de estrada-parque porém, na prática, permite a abertura de rodovias em unidades de conservação de todo o país, iniciando pelo Parque Nacional do Iguaçu, com a chamada Estrada do Colono.

O projeto de lei que está no Senado é muito mais perigoso do que o de igual teor (PL 984/2019), que tramita na Câmara, porque já foi aprovado pelos deputados e pode ser posto em plenário pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a qualquer momento. Mas qual a urgência de colocar em discussão um projeto como esse, em meio à crise econômica, ambiental, climática e a pandemia que o país vive?

Apenas para fazer uma campanha enganosa e eleitoreira junto à parcela da comunidade local que ainda defende a estrada. Mesmo que passe pelo Congresso e seja sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a lei será alvo de uma série de ações judiciais para barrar sua aplicação.

Ao permitir a construção de estradas em unidades de conservação e parques nacionais de todo o Brasil, o PLC 061/2013 fere a Constituição Federal, vai contra compromissos internacionais assumidos pelo país, gera danos à imagem da nação perante a comunidade internacional e causa perdas econômicas locais e nacionais, com prejuízo para o setor de turismo no segundo Parque Nacional mais visitado do Brasil, atrás apenas do Parque Nacional da Tijuca.

Compactuar com essa rodovia, significa facilitar uma rede de crimes contra pessoas, como contrabando de armas e drogas, e também ambientais como desmatamento, atropelamento de fauna silvestre, extração ilegal de recursos naturais, invasões, grilagem e muito mais.

Para o Parque Nacional do Iguaçu é praticamente certa a Perda do Título de Patrimônio Natural da Humanidade concedido pela Unesco e inserção na lista de Patrimônio Mundial em Perigo, como ocorreu no período em que a Estrada do Colono estava aberta.

Porque a proposta de abrir novamente a Estrada do Colono é inconstitucional?

Foto: Marcos Labanca.

Em primeiro lugar, a proposta em tramitação no Senado viola a Constituição Federal, que em seu Artigo 225 que diz:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.

Além disso, vai contra a Lei Federal da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), que em seu Artigo 11 veda o “corte e a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançado e médio de regeneração do bioma Mata Atlântica” – exatamente como está o local onde seria feita a obra – e quando abriga “espécies da flora e da fauna silvestres ameaçadas de extinção e a intervenção ou parcelamento ponha em risco a sobrevivência dessas espécies”. O Parque Nacional do Iguaçu é o último refúgio para a biodiversidade, uma ilha em meio a plantações e cidades.

Abertura da estrada desmataria área primária de Mata Atlântica em um dos Parques Nacionais mais importantes para o bioma. Foto: Marcos Labanca.

Se fosse aprovada, a proposta alteraria também a Lei 9.985/2000 que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e criaria uma série de conflitos legais. O SNUC estabelece 12 categorias de unidades, sendo cinco de proteção integral, como os parques nacionais, e sete de uso sustentável.

A finalidade de uma UC de proteção integral é preservar a natureza, sem extração ou coleta de seus recursos. Já as de uso sustentável permitem a utilização dos recursos naturais. Com a estrada-parque do Colono, haveria uma UC de uso sustentável dentro de uma UC de proteção integral que é o Parque do Iguaçu. Isso desestabilizaria as regras já definidas de proteção ambiental. 

Por fim, a Constituição Federal, em seu Artigo 5, inciso XXXVI, prevê que “A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” protegendo, desta forma, o direito adquirido do Parque Nacional do Iguaçu de seguir protegido e garantindo segurança jurídica às instituições. As tentativas anteriores de abertura da estrada foram derrotadas na Justiça em todas as instâncias, até que por fim o STJ e o STF definissem pelo fechamento total da estrada sem mais possibilidade de recursos.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) negou, em abril de 2020, o último recurso judicial que partiu de 16 municípios no entorno do Parque para a abertura da estrada. A decisão colocou um ponto final na tentativa de reestabelecer o trânsito de veículos na antiga via que ligava o Oeste e o Sudoeste do estado. 

Parque Nacional do Iguaçu é o último refúgio da onça-pintada e de outras espécies ameaçadas de extinção, no Paraná. Foto: Marcos Amend.

“No âmbito do Poder Judiciário a estrada não pode ser aberta em hipótese alguma, pois a questão é transitada em julgado. O que o PLC 061/2013 e os senadores que o defendem estão fazendo, é simplesmente tentar passar com uma canetada por cima de 3 décadas de discussão ampla e decisão solidificada determinada em âmbito judicial.” afirma Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação.

Para Kuczach, a justificativa dada pelos autores de projetos recentes para a abertura da estrada é que ela levaria desenvolvimento econômico para a região não se sustenta. “Diversos estudos demonstram o contrário, com perdas econômicas agravadas pelo aumento do contrabando e da insegurança, criminalidade na região, que fatalmente levam a diminuição do turismo. Além de caça ilegal, extração de recursos naturais, atropelamento de fauna, incêndios florestais e aumento de espécies invasoras, culminando em uma série de prejuízos ambientais, sociais e econômicos associados à estrada.  Mas os políticos interessados na obra vendem um outro pacote”.

A ex-procuradora da República de Foz do Iguaçu Daniela Caselani Sitta, reforça que o conceito de estrada-parque usado pelo projeto de lei é deturpado. “Estrada-parque não é uma via de acesso a um parque ou dentro de um parque. O que qualifica um caminho como estrada-parque (onde ela é prevista, como nos EUA, por exemplo) é a beleza do percurso em si e das paisagens que lhe são adjacentes. Estrada-parque é, em si mesma, um parque, não uma via dentro de um parque, como dispõem os projetos”.

Sitta é um dos signatários da Nota Técnica preparada pelo Ministério Público Federal que avaliou a inviabilidade jurídica do PLC 061/2013. Além de todos os conflitos legais apresentados, o MPF assegura que o licenciamento ambiental para uma obra assim é impossível, em virtude da necessidade de desmatar uma grande área de Mata Atlântica.

“Para que o empreendimento fosse possível, seria necessário demonstrar que não há nenhuma outra maneira de os 23.639 habitantes de Capanema chegaram à Serranópolis do Iguaçu (4.568 habitantes), e vice-versa, que não seja desmatando o Parque Nacional do Iguaçu, o que não acontece na prática, pois as duas cidades possuem ligação por fora do Parque, pelas BR 163 e 277, asfaltadas e quase inteiramente duplicadas no trecho que liga as duas cidades”, finaliza Sitta.

Mapa Rodoviário do Paraná mostra as opções de rodovias existentes no entorno do Parque. Municípios de Sertanópolis e Capanema não estão isolados, mas conectados pelas BR 277 e a BR 163. Não justificando legalmente uma nova estrada dentro de uma unidade de conservação. A maior barreira entre as cidades é o próprio Rio Iguaçu, que continuará existindo com ou sem Estrada do Colono.

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